A bala que atingiu Ronilson segue matando jovens negros e pobres no Tocantins

Com números assustadores nas principais cidades do Estado, Tocantins vê seus jovens negros e pobres morrendo vítima do tráfico ou de confrontos com a polícia. É a droga nos tornando a cada dia reféns

Começo a semana chamando a atenção das autoridades para o que poderia ser mais uma noticia ruim da página de Plantão de Polícia deste portal. E o que ela tem o dom de revelar, como a ponta do iceberg de uma tragédia social que está ocorrendo debaixo do nariz de pais, mães, escola, Ministério Público, Defensoria, juizados de infância, gestores públicos, políticos e sociedade organizada.

 

Tombou na praça do Bosque, com um tiro na nuca, Ronilson de Oliveira Domingos. Até hoje não sei quantos anos tinha. O fato de ser filho da militante comunista, Ceiça, ex-candidata a Senadora ano passado só lhe deu mais visibilidade.

 

A execução, comenta-se nos bastidores das fontes policiais, teria a ver com divida com o tráfico. O mesmo motivo, alega-se, teria levado um grupo ao velório de Ronilson, para executar Rhuan Lucas Kauay Mota, alvo de tiros de calibre 38.  Uma cena de cinema, com o grupo chegando num Pálio escuro, depois apreendido pela PM, mandando todos os presentes deixarem o velório para então descarregarem a arma no rapaz.

 

Num grupo de Whatsapp que falava da violência que tem se tornado rotineira em muitas quadras da cidade, li um argumento de que isso nada tem a ver conosco, brancos classe média que moram nas quadras mais centrais do Plano Diretor e que não temos nada a ver com o uso, compra, venda, tráfico de entorpecentes.

 

Vão desculpando a sinceridade. Temos sim. Tem tudo a ver.

 

Vivemos a cada dia numa sociedade mais sitiada pela tragédia social que é o consumo de drogas pesadas. Crack. Pasta base. E outras porcarias.

 

O Tocantins é palco de uma tragédia urbana que não ganha as manchetes na intensidade dolorosa que realmente tem: o assassinato de jovens, negros e pobres envolvidos ou não na roda viva do vício, do tráfico, da bandidagem. A maioria deles está fora da escola. 

 

AfroReggae estudou cenário tocantinense

 

A ONG AfroReggae fez um estudo sobre o Tocantins ano passado, e encaminhou ao então governador eleito alguns apontamentos e sugestões sobre a nossa realidade. Uma cópia a qual tive acesso revela que no Brasil mais de 57 jovens foram mortos em 2012, em cada grupo de 100 mil. Assassinados por gangues ou pela polícia em situações de confronto. No Tocantins, o número ficou abaixo da média nacional naquele ano: pouco mais de 43 jovens assinados para cada grupo de 100 mil. Palmas, ficou na casa dos 40 jovens para cada 100 mil.

 

Agora pasmem: em Gurupi, em 2012, atingimos a escandalosa casa de mais de 136 jovens assassinados para cada grupo de 100 mil. E em Araguaína, mais de 86. O dobro, exatamente o dobro do que na Capital.

 

O que está acontecendo? São dados assustadores e que falam mais ainda quando confrontados com o número de matrículas no ensino médio na rede publica. Tornam-se mais significativos se fizermos esta leitura comparando nossos resultados no Ideb nos últimos anos.

 

O que tem isso a ver com Ronilson, que morreu, Rhuan, que foi parar no HGP e tantos outros? Tudo.

 

Vivemos numa sociedade em que o jovem é estimulado a ter para ser. Ter um tênis de marca, nem que seja roubado. Ter um carro com som potente para se exibir nas nossas periferias. Ostentar. Com uma maioria negra ou parda, num Estado erguido pelos negros desde os primórdios de nossas cidades históricas como Porto, Natividade, Dianópolis, o Tocantins pouco se olha no espelho. Como a negar uma identidade negra estigmatizada, relegada aos piores postos de emprego e a viver marginalizada.

 

Negros e pobres morrem mais neste País, revelam as estatísticas. Aqui, não poderia ser diferente. Morrem sem fazer 20 anos. Morrem sem se formar. Morrem por bala errada e por bala encomendada. E poucas são as saídas que lhes restam.

 

Falando assim pode parecer que me refiro às favelas cariocas. Mas não. Os números estão mostrando que a nossa realidade é esta.

 

Volto ao começo para dizer que as autoridades que cuidam de menores e adolescentes em Palmas relaxaram no seu papel de vigilantes. Dá saudade o trabalho rígido e polêmico, mas eficaz, levado nesta capital pela então Juíza da Infância e Adolescência, Silvana Parfeniuk. Aquela que juntava forças policiais, promotores e sua assessoria para fiscalizar a presença de menores em bares e pontos de prostituição. E pregava toque de recolher para menores desacompanhados saírem das ruas.

 

Do jeito que as coisas vão, ninguém mais responde por eles. Famílias estraçalhadas pela pobreza e pela falta de tudo que vai além do dinheiro, não conseguem educar seus filhos. A escola tornou-se mais um palco para a violência de jovens desgovernados. São alvos de sua própria força, conflitos e exuberância. E os professores também tornaram-se alvos.

 

Em meio a tanta falta de tudo, principalmente de perspectiva, soa bobagem falar em prevenção de drogas num contexto destes. Sem um pacto social verdadeiro, com todas as forças envolvidas nesta questão, continuaremos a enterrar Ronilson e outros, todos os dias.

 

Como se a responsabilidade fosse deles, somente, pela tragédia que vivem e morrem nas ruas das nossas cidades.

 

A realidade é que a cada dia nós e nossos filhos, somos reféns de uma situação mais complexa do que cabe nos discursos de políticos. Não dá para virar o rosto e fingir que não é conosco.

 

A bala que matou Ronilson na feira do Bosque e mergulhou sua mãe - uma mulher negra, batalhadora, militante partidária - num luto intenso que só um assassinato traz, chega a cada dia mais perto de nós.

 

Não dá para ignorar.

 

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