Uma família nas estatísticas de mortes no trânsito e a revolta de quem fica

Pai, mãe e um filho mortos após um acidente causado por um motorista que dirigia embriagado. Ficou um filho órfão, restaram parentes indignados e sede de justiça

Pai, mãe e filho mortos após acidente
Descrição: Pai, mãe e filho mortos após acidente Crédito: Reprodução/Facebook

Na semana passada, dia 19, um motorista embriagado bateu sua possante Nissan Frontier contra um Gol 1.0 na TO-050 em Palmas. Embriagado, foi preso em flagrante, para ser solto oito dias depois.

 

No acidente, em que a camionete capotou e invadiu a pista contrária, morreram na hora o casal Bruno e Ana Carolina Noda Estevam. Com eles, estavam duas crianças, um menino de nove e outro de quatro anos de idade.

 

O mais velho, Enzo, faleceu no domingo passado, 29, em decorrência dos ferimentos ocorridos no acidente. Três dias antes, a justiça mandou soltar o motorista responsável pelas três mortes: Ronaldo Souza Silva.

 

A revolta dos avós do pequeno Túlio, de 4 anos, único sobrevivente ao acidente, é gritante. A indignação. O inconformismo com a perspectiva de impunidade que a lei e o sistema brasileiro permitem.

 

O motorista, réu primário, assumiu o risco de matar quando pegou o volante embriagado. Perdeu o controle do carro numa ultrapassagem, capotou e acabou com uma família. Os Noda provavelmente não serão tema de nenhuma moção na Assembleia Legislativa. Serão mais um número numa estatística de mortes no trânsito. Mortes pelo uso de álcool e sua combinação com o volante. Crimes que infelizmente a sociedade brasileira tolera, como que entorpecida.

 

Nenhuma das restrições impostas pelo juiz que determinou a soltura do motorista – como não sair à noite, não ingerir bebida alcóolica, não dirigir – será capaz de amenizar a dor e o sentimento de impunidade que os sobreviventes, pais e parentes da mãe e do pai mortos, estão sentindo.

 

Sentimentos que se alastraram entre amigos, colegas de trabalho e pessoas que conheciam o casal de 28 anos, com a vida interrompida bruscamente.

 

As proporções da tragédia, no entanto, nunca serão percebidas nos números que lemos nas estatísticas de jornais. A vida do pequeno Túlio - que pergunta insistentemente para a avó onde está sua família - mudou para sempre. Crescerá sem apoio de pai, sem carinho de mãe, sem cumplicidade de irmão. Esta é a tragédia pessoal que nenhuma estatística consegue mensurar.

 

E onde está a saída para que crimes assim não ocorram? No encarceramento? Fico com a impressão de que a justiça solta, às vezes, para não superlotar ainda mais as prisões. Enquanto o Estado brasileiro se esquiva da obrigação de construir novos presídios para isolar quem não pode mesmo conviver em sociedade sem ferir insistentemente o direito do outro.

 

No consumo desmedido do álcool, no entanto, tenho a convicção de que é preciso mudar a sequência que vai da produção ao consumo, passando pela propaganda, num estímulo constante a consumir bebida alcóolica como se nisto estivesse a tradução de algum tipo de felicidade. A sensação de poder dos super carros e da velocidade.

 

É uma sociedade suicida a que vive uma política irresponsável que estimula o consumo e não coíbe o uso de veículos por quem bebe.

 

Sem fiscalização suficiente, sem legislação rígida, continuaremos a assistir o acontecimento de tragédias no trânsito. E veremos os assassinos do volante sendo soltos para aguardar julgamento e depois cumprirem penas alternativas.

 

 

Para o pequeno Túlio, do alto dos seus quatro anos, nada disto faz sentido. Ele é mais um número, de uma triste estatística: é uma criança, para sempre órfã, que o álcool ao volante produziu. A ele se somam muitos outros, mutilados no corpo ou na alma. Para sempre.

 

Até quando seremos tão tolerantes?

 

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