“Há pouco mais de três anos eu descobri que estava com um tumor na mão, tive que amputar um dedo, depois um braço inteiro e fiz cinco cirurgias até agora. Tive que fazer quimioterapia no Hospital Geral de Palmas, meu medicamento acabou, passei mais de 50 dias sem o tratamento e foi aí que resolvi procurar o Ministério Público”. O relato é de Ricardo de Oliveira Rosa, de 40 anos, morador de Araguaína, que em 2013 viu sua vida mudar após ser diagnosticado com a doença. O problema vivenciado por Ricardo é similar ao de vários pacientes que dependem do tratamento disponibilizado pelos hospitais públicos no Tocantins, que muitas vezes é interrompido por falta de medicamentos e insumos. A situação foi comprovada há pouco mais de um mês, quando o Ministério Público Estadual (MPE) e a Defensoria Pública ingressaram com uma ação contra o governo, requerendo a regularização da oferta de tratamento contra câncer nos hospitais.
Proposta pela promotora de Justiça Maria Roseli de Almeida Pery e pelo defensor público Arthur Luiz de Pádua, a Ação citou 26 medicamentos que costumam faltar nos hospitais, levando os pacientes a enfrentar a interrupção dos tratamentos que estão em andamento e retardando o início do atendimento aos recém-diagnosticados. O MPE apontou, ainda, que sessões de quimioterapia costumam ser suspensas por falta dos remédios e insumos necessários.
A ação enfatizou que o câncer, quando não tratado de maneira ininterrupta, reduz a expectativa de vida dos pacientes, inclusive podendo se espalhar para outros órgãos, situação vivenciada atualmente por Ricardo. “Eu iniciei o tratamento em 2013 e percebi que tinha que sair do Tocantins. Hoje estou em Barretos (SP), porque em três anos de tratamento no meu Estado eu nunca tive progressão nenhuma no meu caso, só regressão. Quando cheguei ao Hospital de Barretos, após realizar novos exames, descobri que o tratamento que eu fazia no Tocantins estava todo errado. O medicamento que eu precisava tomar nunca foi o da quimioterapia, era outro, um que só é possível conseguir através de decisão judicial. Os exames mostraram ainda meu câncer evoluindo para o pulmão e a doença não espera. Eu ganhei na Justiça o direito de receber o medicamento que preciso, que deve ser custeado pelo Estado, mas o governo não cumpre”, afirmou Ricardo de Oliveira.
Processos na Justiça
Estimativas divulgadas pelo Instituto Nacional do Câncer revelaram a incidência de 2.350 novos casos da doença somente este ano no Tocantins. Para muitos destes pacientes, que dependem do tratamento ofertado pela rede pública de saúde, órgãos como o MPE e a Defensoria são, às vezes, a única forma de garantir na Justiça o direito à vida. Conforme a promotora de Justiça Maria Roseli de Almeida Pery, as demandas relacionadas a pacientes com câncer são recorrentes no Estado, levando o MPE a atuar, muitas vezes, na tutela coletiva. A promotora ressaltou ainda a relevância da atuação do Ministério Público para a população. “Existe hoje uma consciência coletiva por parte da população acerca dos seus direitos e do papel dos órgãos competentes existentes para cobrar o Estado diante da omissão do dever de garantir a saúde para todos, de maneira integral. É um trabalho constante, sempre em busca de garantir que o cidadão seja atendido naquilo que necessita”, aponta Maria Roseli.
Buscar o MPE, conforme Ricardo de Oliveira, foi o caminho encontrado por ele no início deste ano, assim que teve o braço amputado e foi informado de que precisaria fazer quimioterapia. "O medicamento faltou na terceira sessão, então o MPE e a Defensoria foram o jeito que encontrei de garantir a continuidade do meu tratamento. Logo depois consegui uma vaga em Barretos e percebi que o meu tratamento era outro. Mas o que quero dizer é que o Ministério Público age, faz seu papel muito bem, só que o Estado não respeita suas determinações, nem as decisões da Justiça. Eu vejo o Ministério Público atuando constantemente, mas mesmo com ele em cima, olhando, fiscalizando e movendo tantas ações, o Estado não cumpre aquilo que lhe é determinado. São inúmeros processos. Sei que são muitas pessoas que passam pelo que eu passo. Eu convivi três anos no HGP e sei como é a realidade dos pacientes com câncer no Estado”, pontua Ricardo.
Sobre o descumprimento de decisões judiciais, a promotora Maria Roseli afirma que “quando isso ocorre configura então crime de desobediência. Inclusive o MPE tem promovido diversas denúncias na Capital, principalmente, contra gestores, por descumprimento de ordens judiciais. Os casos são comunicados ao promotor da área criminal, para a instituição de ação penal pública, diligências investigatórias, instauração de inquérito policial, e o que mais for necessário para garantir que o Estado cumpra com seu papel”, garante.
À espera
Em sua página pessoal no Facebook, Ricardo de Oliveira conta com o apoio de inúmeros amigos e familiares. Na rede social ele narra diariamente as dificuldades e conquistas durante o enfrentamento à doença. Ricardo revelou que, mesmo estando firme em busca da cura, ele se preocupa com seu atual estado de saúde. “A questão pior não é nem eu ter perdido o meu braço, mesmo eu sabendo que se eu tivesse passado pelo tratamento correto desde o começo eu não teria sido submetido a uma amputação. O pior mesmo é que esse câncer está evoluindo e eu estou aqui, gastando um tempo precioso, que não tenho, esperando que o Estado cumpra a decisão e pague meu tratamento”, finaliza Ricardo.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que, sobre o caso de Ricardo de Oliveira, “o Estado está trabalhando para atender a demanda e está providenciando o medicamento necessário para o tratamento do paciente”.
A reportagem ainda solicitou à Sesau informações sobre a quantidade de pacientes com câncer à espera de tratamento e cirurgias nos hospitais públicos do Estado, e requereu um posicionamento sobre o descumprimento de decisões judiciais relacionadas à área, mas esses questionamentos não foram respondidos na nota.
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