Espetáculo 'Instruções para o Colapso' é uma das atrações do Convergência

Instruções para o Colapso é um espetáculo ensaiado e apresentado na rua, dialogando com esse lugar

Grupo se apresenta no fim de semana
Descrição: Grupo se apresenta no fim de semana Crédito: Ascom

O que significa permitir o corpo colapsar? Como se aproximar de um espaço público, uma praça, sem ter uma ideia pré-concebida daquele lugar? Estas e outras questões são o ponto de partida do Coletivo Cartográfico de dança contemporânea, fundado em 2011 pelas artistas Carolina Nóbrega, Fabiane Carneiro e Mônica Lopes, na criação do espetáculo Instruções para o Colapso, projeto contemplado pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna/2013, que circula em capitais brasileiras (Palmas, São Paulo, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro e Recife) no período de agosto a novembro de 2014.

 

A pesquisa do espetáculo vem sendo maturada desde uma residência artística, uma casa em vias de ser demolida no bairro da Vila Madalena em São Paulo, e numa pesquisa de “deriva urbana”, que investiga uma relação mais instável do corpo com a cidade. O grupo estudou tipos de demolição existentes, como explosão, implosão e tombamento, buscando analogias na dança com o intuito de vivenciar no corpo o processo dessa cidade que está o tempo todo se remodelando, demolindo e reconstruindo, obrigando seus habitantes a fazerem o mesmo –  mudar de percurso, de estratégia – diariamente, para sobreviverem. Ao invés da cidade comumente representada com uma arquitetura rígida, imutável, dura, a busca foi pelo trânsito, uma cidade sempre à beira de um colapso.

 

Colapso

Devagarinho vão chegando, empurrando seu carrinho de construção, se infiltrando na praça, na rua, esse espaço público de muitas camadas de história e estórias, territórios demarcados por moradores de rua, turistas, pregadores, ambulantes... Deixam sua marca com farinha, um rastro perecível, tão efêmero quanto a presença delas. Carregam caixinhas acústicas em suas bolsas, que emitem uma música perceptível apenas para os que estão bem ao lado delas, mudando sutilmente a atmosfera do lugar. Seus corpos começam a se fragilizar, tombar, deslizar, rolar escada abaixo, permitindo ser visto colapsando. Então, a trilha sonora interfere num perímetro maior, saindo de caixas acústicas instaladas dentro do carrinho de construção. Se inicia o espetáculo Instruções para o Colapso.

 

O tema “colapso” surgiu em oposição a um mundo em que se evita mostrar o fracasso, se tem medo de envelhecer, de admitir esgotamentos, transformar sistemas políticos. Em um mundo em que se almeja a perfeição, existe um desejo de querer manter coisas que às vezes já estão em ruína. O interesse da pesquisa, então, é o de permitir que o outro veja esse corpo frágil, cansado, colapsando, ruindo. Deixar esse fracasso à mostra, no meio da rua, da praça, para quem quiser ver.

 

No período de preparação do espetáculo, o trio usou o conceito de “programa”, elaborado pelo norte-americano Allan Kaprow, pai do happening nos anos 60, bem como, atualmente, pela pesquisadora carioca Eleonora Fabião. São roteiros, guias, de ações performativas, uma série de regras fixas que contornam uma performance, em tempo real, de forma que estas não possam ser desrespeitadas.

 

Inspirado na primeira parte do livro Histórias de Cronópios, Famas e Esperanças, do escritor Júlio Cortázar, o Coletivo criou, dentro desse conceito, um manual de Instruções para o Colapso, lido para o público no final na performance: “Se você está ouvindo ou lendo estas instruções, é porque chegou o momento. Do colapso. Do Fim. Da Morte. Mas não tenha medo. Mais cedo ou mais tarde isso aconteceria. Não dependia só de você. Mas de uma série de elementos, abandonos, ações do vento, da acidez do ar, acasos... Observe os sinais ao redor. Já está acontecendo. Rachadura. Goteira. Musgo. Ferrugem. Cupim. Buraco. Não há possibilidade de retorno, os elementos continuarão agindo. Sobre tudo. Sobre você”.

 

Na rua e para a rua

Uma das metodologias de trabalho que o Coletivo adota se chama “deriva urbana”: andar a esmo, na rua, a partir de programas, regras, por exemplo: toda vez que avistassem alguém falando no celular, virariam a próxima rua à esquerda. Toda vez que vissem um cachorro, dariam meia volta... Isso faz com que elas se percam na cidade, entrem em lugares onde não entrariam normalmente ou com que sejam obrigadas a ficar 1 hora dando voltas no quarteirão. O objetivo é desconstruir uma ideia pré-concebida desse espaço urbano, assim como o próprio desejo e o automatismo da percepção que têm sobre a cidade.

 

Instruções para o Colapso é um espetáculo ensaiado e apresentado na rua, dialogando com esse lugar: os acontecimentos da praça influenciam na dança e a dança influencia os acontecimentos, obrigando o corpo das bailarinas a entrar em relação com esses atravessamentos.

 

Existe um discurso de que dança contemporânea é elitista, necessita de um público com cultura suficiente para entender o que está acontecendo em cena. A proposta, então, é por essa dança em risco: tirá-la desse lugar protegido, hermético do teatro, e leva-la à rua.

 

Fronteiras entre arte e vida

No meio do processo de criação do espetáculo, aconteceram as manifestações de junho do ano passado. Todos os significados anteriormente pensados ganharam novas camadas de compreensão. O que estava num lugar mais poético, mais delicado e mais distante da concretude dos acontecimentos, desmoronou, foi demolido. O Coletivo Cartográfico percebeu, então, que estava criando algo em consonância com um desejo muito mais geracional, global, clamando que algo fosse destruído para que outra coisa adviesse: estava na hora de rever o espaço público, vida urbana, política social.

 

O grupo trabalha nas fronteiras entre dança e performance. Elas não interpretam que estão caindo, colidindo com o asfalto: estão, de fato, caindo. O tempo todo dispõem o corpo a uma experiência real, permitindo que o corpo chegue a um cansaço, a uma exaustão, a um colapso ao longo da performance. Vão aos extremos da experiência física, num limite muito tênue entre vida e arte.  

 

Em nenhum momento, como em muitos trabalhos de rua, elas definem um território, uma arena em que anunciam o início do espetáculo. O trabalho vai se infiltrando no cotidiano da própria rua. Uma parte dos espectadores fica meio sem saber o que está acontecendo.

 

A rua é um ambiente de risco e um ambiente de simultaneidade. Um universo que existe em si, a priori, somado à interferência da performance, que é atravessada constantemente por esse universo.

 

Arte e urbanismo

A pesquisa do Coletivo passa também pela observação de como as pessoas ocupam e permanecem no espaço público. De que maneira se apropriam dos espaços de transição e como seus sentidos controlam esse lugar. Todos precisam do apoio prático e psicológico das estruturas urbanas, algo em que se apoiar.

 

Na visão do Coletivo Cartográfico, as pessoas têm de experimentar, se apropriar da cidade. As pessoas fazem a cidade o tempo inteiro, seja estando na cidade, construindo algo ou circulando pelas ruas. Existe uma demanda, hoje em dia, de ocupar a cidade, dando um basta nos espaços contenedores, na vigilância policial.

 

Como conseguir se apropriar da cidade? Como recuperar o espaço público? O que se pode construir para melhorar a cidade? Como os artistas podem estimular o público a se apropriar do espaço público enquanto ação política, possibilitando criar novas fricções? Como estimular a compreensão de que é um espaço de todos e a não ter medo usufruir desse espaço? De que forma  as pessoas não ficam reféns da cidade?

 

Esse questionamento objetiva possibilitar pensar a si mesmo enquanto co-autor da cidade, seus usos e significados, e na provocação constante de transformações.

 

Palmas

Programação do Convergência - Mostra de Performance Arte do Sesc

29 de agosto - Praça dos Girassóis (em frente ao tribunal de Justiça), 16h30

30 de agosto - Praça Matriz, Taquaralto, 9h

02 de setembro - oficina na UFT

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