A política tocantinense é feita de encontros e desencontros, rupturas e reconciliações, afetos e desafetos.
Na manhã desta segunda-feira, a última do ano de 2021, o Cemitério Jardim das Acácias vai receber o corpo do Velho Brito Miranda, que ao lado do Velho Siqueira Campos, realizou grandes feitos nos últimos 40 anos, desde a juventude dos dois, na política goiana e tocantinense.
Do final da tarde deste domingo, 26, até a hora do sepultamento, previsto para acontecer por volta das 10 horas da manhã, estima-se que centenas de pessoas passem pela Igreja São José, na Arse 61, para despedir-se de Brito Miranda. Para confortar a família e amigos. Para viver este momento, que é mais um capítulo da história política do Estado.
Recebi mais cedo, uma carta de 10 linhas do deputado estadual Eduardo Siqueira Campos, endereçada ao ex-governador Marcelo Miranda, em que uma palavra se destaca: legado.
Desafetos nos últimos anos, depois de viverem anos de amizade, separação – quando Siqueira optou pela Arena e Miranda pelo MDB, na abertura política brasileira – união e depois nova separação, Siqueira e Miranda representaram em qualquer roda de conversa nos bastidores, os opostos da política tocantinense.
Mas na hora da morte, a divergência não conta. As diferenças não contam. Conta o que restou, o que sobrou, da vida de quem passou por aqui deixando suas marcas.
Advogado por longos anos em Araguaína. Deputado estadual eleito no Norte goiano para atuar na Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, Brito Miranda teve papel decisivo para a criação do nosso amado Tocantins.
Como senador o então governador Henrique Santillo havia atuado contrário à separação dos dois estados. A luta separatista no entanto tinha ganhado corpo e Siqueira Campos articulara em Brasília com o colégio de líderes, a inclusão na Constituição, da criação do Tocantins, havia um óbice. A Assembléia Legislativa de Goiás deveria consentir com a separação. Justo a Assembléia em que o governador tinha maioria.
Mas lá estava o deputado Brito Miranda com seu poder de articulação. Foram muitas idas e vindas para quebrar as resistências e conseguir o aval do parlamento goiano para a separação.
Numa visita que fiz ao seu escritório depois da vitória do filho, Marcelo Miranda mais uma vez ao governo do Tocantins, depois de ter sido cassado em 2009, ouvi algumas das histórias do velho Brito. Entre elas, esta.
Mas houveram outras. Por exemplo, levar o PMDB - histórico adversário, a apoiar Siqueira – mais uma obra da engenharia política de Dr. Brito, que foi resgatado pelo Velho Siqueira para compor seu governo, justamente no papel de articulador político. Me lembro de ter escrito um artigo polêmico quando o ex-governador Moisés Avelino, apoiou Siqueira Campos.
Sagaz todo, naquela época, fez do filho, o então deputado Marcelo, o mais votado do Estado, com a história dos 5%.
Essa, ele mesmo me contou. Coordenador de campanha, distribuía os apoios de prefeitos aos candidatos a deputado, conforme orientação de Siqueira. Mas na conversa “téte a téte” com os líderes, pedia com jeitinho, os 5%. “Olha, lá o deputado é o fulano, mas me dê uma ajuda para o Marcelo. Arranja lá uma família, discretamente, que dê uns votos pra ele”, contava sorrindo.Na abertura das urnas, Marcelo arrebentou de votos.
Da convivência íntima com o governador Siqueira Campos, nasceu o embrião da candidatura - primeiro de Brito – e depois do filho, Marcelo Miranda ao governo do Tocantins na sucessão a Siqueira.
Eu estava lá, no Barracão da Vitória, palco de tantas histórias, para ouvir alguns anos depois, o anúncio, da boca de Siqueira Campos, de que seria Marcelo o candidato. Ao lado de Siqueira, estava Dr. Brito, já refeito, e firme para a campanha do filho.
Nas prévias, os nomes considerados eram o de Darci Coelho, Raimundo Boi e do próprio Dr. Brito. Para o pai, a escolha inicialmente foi um baque. Brito Miranda sonhava governar o Tocantins, sonho que nunca se realizou.
Naquela campanha Siqueira permaneceu distante, e Brito foi coordenador da eleição de 2002, despachando de sua casa na Arse 21, apoios de prefeitos, ex-prefeitos, vereadores, a deputados e candidatos a deputado.
Figura forte e presente no primeiro governo do filho, colocou panos quentes muitas vezes, para conter a ruptura que acabou acontecendo com os Siqueiras.
Exerceu tanto poder no primeiro mandato, que era ele o procurado para se resolver qualquer tipo de problema. O que não resolvia, postergava. E ganhou o apelido de Sr. Quarta-feira. Qualquer coisa pendente ele jogava para a semana seguinte: “vamos falar na quarta-feira”...
Às vezes duro e frio no trato, gerou desafetos. Era pragmático: me dê um número”, respondia a quem lhe procurava pedindo ajuda depois de uma derrota. Mas o excesso de poder incomodava até dentro de casa e no segundo mandato, Marcelo Miranda voltou fazendo questão de comandar diretamente situações que até então era o pai que cuidava.
Os processos movidos contra o filho atingiam também o pai, e vice versa. Renderam ações e até um pedido de prisão, que chegou a ser efetivado. Vencido este capítulo, a união dos dois no entanto prevaleceu, sendo que nos últimos meses, era o pai o maior incentivador para que Marcelo dispute o Senado em 2022.
Na segunda semana de dezembro, calhei de encontrar dona Marli Miranda no salão. Perguntei pela saúde do dr. Brito. Ela respondeu desconsolada que ele estava estável, mas com muita confusão mental em razão da infecção. Ela estava condoída da situação da irmã, que estava doente, passando por muito sofrimento, e veio a falecer no dia seguinte.
Já Dr. Brito, lutava...
Por um amigo da família soube naqueles dias que um rim havia paralisado e estavam aguardando estabilizá-lo para que fosse transferido para São Paulo.
E foi lá, no sábado de Natal, por volta das 16 horas, que o Velho Brito Miranda deu seus últimos suspiros.
Político das antigas, Brito Miranda assim como Siqueira Campos, pertence a um tempo que não volta mais. O que fez de bom, e o que fez de ruim, vai para a balança que o espera lá em cima.
De uma extrema inteligência e perspicácia, deixa no entanto, como bem disse Eduardo Siqueira em sua nota, um legado. O das ações que fez e de tudo que movimentou para ajudar a transformar o Tocantins de sonho em realidade.
É por isso, que nem os desafetos lhe tiram a importância.
No andar de cima, onde a vida segue, muitos o esperam. No andar debaixo, a família sofre a perda e prepara a última despedida.
Há que se respeitar, senão a vida, os feitos e a trajetória, pelo menos isso.
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