O piso do Palácio Araguaia era de um carpete cor de sujeira. Encardido. Pisado de botas, botinas, sapatos e saltos. Pés que iam e vinham em dias de poeira e também de lama e chuva.
A Praça dos Girassóis não estava pronta como se vê hoje. Uma pista de asfalto circulava o Palácio Araguaia, fazendo do seu entorno uma grande rotatória. A cidade via ainda suas primeiras avenidas, já traçadas pelas máquinas, tomarem forma com a chegada do asfalto.
Na Theotônio, Eduardo Siqueira construía uma grande galeria Pluvial, com sua empreiteira dos “Orelha Seca”.
O governo era de Virgínia e Avelino. Os “modeba” tinham chegado ao poder, depois do rápido primeiro governo Siqueira...
Era um dia quente, de auditório lotado no sub-solo do Araguaia, naquele final de ano de 1993. O governador havia chamado uma reunião, na qual os investimentos do Estado em obras civis e viárias era propagado em alto e bom tom.
Naquele dia, de prestação de contas, eu observava um Moisés Avelino maduro na idade, mas de um vigor próprio da juventude. A tez limpa e livre de rugas. Simpático (brinquei com ele esses dias que ele tinha pinta de galã). No olhar aquele brilho de quem ainda tinha muito a realizar. Um discurso positivo, de quem está trabalhando muito, mas dentro da sua filosofia: nada de mega obras, nada de financiamentos milionários. O arroz com feijão da administração pública.
Eu saí encantada daquele auditório. Estava diante de um líder inspirador que tinha real preocupação com o povo mais pobre do Estado.
Jornalista em início de carreira no Estado. Assessora da Secretaria de Infraestrutura - onde o dr. João Franciso era a mão forte de Avelino para realizar as obras por todo Tocantins - poucos políticos na vida, tinham conseguido me inspirar.
Subi para o primeiro andar, onde era o gabinete do governador. Estava acontecendo uma reunião de secretariado naquela tarde. O evento tinha terminado. Eu acompanhava meu chefe e ficava por alí.
Num determinado momento, Dr. Moisés saiu de uma sala e atravessou o corredor, rumo à outra. Eu estava no corredor e o cumprimentei pelo discurso. Elogiei a gestão e agradeci por fazer parte dela. Ele parou e apertou minha mão. Disse algo sobre nós todos estarmos contribuindo para a consolidação do TO.
Eram os idos de 1990. Mais precisamente 1993, um grande ano. O governo Moisés Avelino, iniciado em março de 1991, entrava em seu terceiro ano de mandato.
Naquela época meus melhores amigos eram da Feetins - Federação Espírita do Estado do Tocantins - onde conheci Cesamar e Luara (da turma do Siqueira), Maxwel e Regininha (onde eu comprava cimento) Renatinha que era cunhada da Regina e mais tarde conheceu e namorou Igor Avelino.
O tempo correu...
Igor e Renata se casaram depois da virada do século e tiveram seus filhos. Ele largou a política no fim do mandato de deputado federal. Regininha separou de Maxwel. Cesamar morreu num acidente de carro. Eu saí da federação depois de ajudar a fundar o Ceac e o IDE.
Três décadas se passaram e a cidade multiplicou sua população. Ampliou sua extensão. Novas pessoas chegaram. Outras nasceram aqui. A cada fase vivida e superada, os amigos foram ficando cada vez mais distantes, porém vivíssimos na memória.
E em 28 de fevereiro deste 2025 reencontrei Moisés Avelino. Foi a minha primeira gravação para o programa “Histórias que Vivi”. Comecei com ele por que não poderia iniciar essa contação de histórias sem falar do primeiro governador que conheci quando me mudei para Palmas em 3 de abril de 1991.
Fui encontrá-lo em sua residência em Paraíso, às margens de uma lagoa belíssima, imagem paradisíaca. Ele nos recebeu com a firmeza e altivez que nunca perdeu. Já na cadeira de rodas e com dificuldade de locomoção mas se esforçando para sentar na poltrona e gravar conosco aquele mergulho em nossas memórias comuns.
Na véspera de sua passagem, meu pensamento se voltou para ele, na lembrança de que este ano de 2025 é um ano de finalização de ciclos. Pensei nele: "Dr. Moisés provavelmente descansa antes da virada..."
A intuição se confirmou com a notícia no dia seguinte. Tenho dificuldades com a energia fria da morte. Não gosto de velórios, não vou a enterros. Fiquei o dia me lembrando dele. Foi sepultado ontem(sábado) e só neste domingo, 28 consegui tempo interior para escrever.
Meu tempo está passando. Meus contemporâneos mais velhos estão partindo. O que vai nos restando são as fotos. As histórias. As memórias. Os legados.
Dr. Moisés pertenceu a uma estirpe nobre de homens e mulheres que a política não modificou nem corrompeu. Foi um homem de coragem, que fez seu contraponto ao Siqueirismo no Estado no momento do auge da força do primeiro governador do Estado, para mais a frente deixar de apoiar o candidato do seu partido e apoiar Siqueira em seu retorno ao governo no momento de maior fragilidade do ex-adversário. "Naquele momento eu entendi que ele era a melhor opção, pelo seu amor pelo Estado", resumiu na nossa entrevsita que está no Youtube.
Era homem de posições firmes e valores inegociáveis. Seu exemplo há de ficar e ecoar pelo tempo.
Na entrevista falamos de tantas coisas... no final fomos para a mesa comer pão de queijo e tomar café. Eu e a minha equipe da Victoriana: Michelle, André e os meninos do som e da iluminação. Ele quebrou a sisudez e a formalidade. Rimos, contamos piada. Falou do câncer que enfrentava e que a cada hora lhe desafiava migrando para um lugar diferente do corpo.
Nos despedir de Moisés Nogueira Avelino neste final de dezembro é meio que nos despedir de um ciclo da história do Tocantins.
Lutou o bom combate. Guardou a fé.
Foi uma honra ter sido sua contemporânea. Ter trabalhado com ele.Ter conhecido o brilho e altivez da sua alma naquele final de 1993.
Guardarei a admiração pelo homem que foi e pelos seus feitos.
Até qualquer dia Dr. Moisés. E que não seja em breve... o legado dele ficou. O meu ainda tenho que escrever.
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