Era um sábado de sol naquela Palmas dos anos 2000. Virada do século. Alvorada voraz.
Éramos todos jovens.
Eu estava na residência do governador, na 21. Tinha ido para uma conversa com o velho Siqueira. 23 anos mais jovem do que agora. No auge dos seus 71 anos, pleno em vigor, energia e poder.
Através de Eduardo, ele havia me convidado para assumir o comando editorial do jornal Folha Popular.
Parêntese...
Siqueira sempre foi um apaixonado por jornais. Doze anos depois, na volta de uma viagem à Europa, já no seu quarto mandato, ele me presentearia com jornais que recolheu por onde passou. Jornais tablóides, lindos, interessantes, coloridos. Seu ajudante de ordens foi me levar.
Por conta deste presente/inspiração, o T1 Notícias rodou jornais naquela campanha de 2012.
Fecha parêntese.
De volta à virada do século... eu tinha comprado uma moto 500 cilindradas do amigo Sândalo Bueno, que naqueles anos tinha uma revendedora Sukuzi. Era verde musgo. Lindíssima. O capacete, maravilhoso.
Eu saí daquela reunião numa pequena saleta onde ele despachava e caminhei até a sala para pegar justamente o capacete. Foi aí que Siqueira, vendo meu estilo motoqueira, virou-se e me disse: “olha, muito cuidado com isso. Você é como o Eduardo...” e estendeu-se em conselhos por mais alguns minutos.
Fui saindo pelo portão pequeno, enquanto ele ficava na sala ao lado do seu Hélio Junqueira, que dirigia a Folha. Antes de cruzar a soleira, ouvi: “Roberta...” eu me virei, para escutar um último conselho. “Antes de sair, estenda as mãos para o Sol. Sempre que tiver dificuldades, peça a força do Sol. Lá, é a morada de Jesus”, apontou ele.
Tive que colocar o capacete no chão, retirar as luvas e estender as mãos antes de partir pelas avenidas sombreadas da capital, naquele sábado de lembrança tão doce.
Eu estava plena de vida, poder e sonhos do alto dos meus 27 anos...
É deste Siqueira que me lembro hoje. Desde que acordei e peguei o celular, ainda no modo sono, fui tomada pelas lembranças.
Uma ligação perdida, às 02h21, do amigo Eduardo Siqueira, seguida de uma mensagem dele, pessoal, me avisando do agravamento no quadro do velho, me trouxe à realidade de que a passagem do governador Siqueira Campos do reino dos homens ao reino dos nossos antepassados, está se aproximando.
Não posso evitar a emoção que me toma. Nem as cenas que se aceleram fora de ordem na minha mente, num turbilhão de lembranças.
Fui mais que uma observadora da história, uma relatora de histórias. Eu as vivi, com estes personagens, ao longo dos meus últimos 32 anos, aqui, neste chão tocantinense.
Agarrado à vida, aos 94, Siqueira segue, duro na queda. Mesmo cercado das enfermidades que foram se agravando ao longo dos últimos anos. Dores físicas, alternância entre lucidez e perda de memória. A reclusão forçada ainda mais pela pandemia.
Nos últimos dias, tenho recebido diversas mensagens no meu celular de pessoas próximas perguntando sobre a saúde dele, mais do que está nos portais. E ouvi, em mais de uma delas:. “mas está na hora dele descansar” ou “ele deve estar cansado de tanto sofrimento...”
Só quem o conhece sabe a efervescência deste cérebro, a rigidez do espírito, a visão de mundo e os sonhos... os sonhos que o mantém vivo.
É dele a escolha de que hora descansar.
Siqueira é daqueles que não morrem. Se vivo, já era uma entidade, desde que Duda Mendonça fez sua campanha de 2010, quando partir deste mundo será um encantado. Daqueles sobre o qual se contam muitas histórias. E com o tempo contarão estórias. Destes que a memória coletiva vai reinventar.
Por isso que nesta manhã de terça-feira, 4 de julho, quando me vem à memória o último sonho que tive com ele - e que compartilhei apenas com a prefeita Cinthia e com Eduardo, o filho no qual ele se vê no espelho - sou tomada pela vontade imensa de poder abraça-lo mais uma vez.
Somos todos viajantes neste momento da história. Reunidos no mesmo lugar e no mesmo tempo, pela força divina que habita o Sol.
É para lá que o velho Siqueira, em espírito, retornará, pois foi de lá que ele veio à Terra com uma grande missão.
“Aquele que habita o esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará...”
Alguns vão preferir relembrar seus defeitos na hora da partida. Outros vão relembrar mágoas e frustrações guardadas. É normal com homens e mulheres que foram grandes. Que manejaram com força o poder.
Eu, de mim, guardarei a doce lembrança daquele sábado. As noites no palanque em 98. As oportunidades que tive ao lado dele, de ajudar a escrever esta história.
Siqueira ainda vive e respira na manhã desta terça-feira de Ogum, Orisá guerreiro que abriu os caminhos da Terra para a chegada das demais potências divinas.
Quando este seu filho descansar, será suavemente. E não tenho dúvida de para onde caminharão seus passos. Será rumo ao Sol novamente. Como os girassóis que plantou.
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