Nesta quarta-feira, 29 de novembro de 2023, por todo o Brasil, diversos movimentos vão lembrar ao mundo a questão humanitária mais premente dos dias atuais: a guerra de Israel para dizimar os mais de 2,5 milhões de palestinos, “limpando” etnicamente a Faixa de Gaza. O objetivo: indexá-la ao território israelense.
Criado pela ONU em 1947 sob a falsa premissa sionista de que era “uma terra sem povo para um povo sem terra”, o Estado de Israel se sobrepôs sobre a área da Palestina, ocupada pelos turcos e depois pelos britânicos.
Se engana quem pensa que se trata de uma guerra religiosa entre Judeus e Mulçumanos. A internet está repleta de movimentos de judeus palestinos e americanos com seus depoimentos pedindo o fim do genocídio que assistimos na TV desde 7 de outubro, mas que começou antes, bem antes, de forma velada.
Essa é a história de um povo que perdeu o direito de se auto comandar na sua própria terra e foi obrigado a se repartir, a se dividir, a buscar outros países para trabalhar e viver.
E é por isso que estou aqui, filha de um palestino que teve sua carteira de identidade queimada no auge dos primeiros embates, nos quais Israel recém-criado avançou ainda mais sobre os territórios palestinos (assim definidos pela ONU). Seu Jamil Tum, meu pai, saiu de sua cidade natal, Mizra el Charquia, distante pouco mais de 40 km de Ramallah, deixando para trás seus dois filhos e a primeira esposa.
Com a nova carteira de identidade Jordaniana, desembarcou no Brasil, em São Paulo, e de lá para Goiânia, onde tinha amigos de sua cidade na colônia árabe, com duas malas: a dele, de roupas e pertences pessoais e outra de mercadorias que comprou para vender.
No Brasil, onde chegou sem saber falar uma palavra em português, meu pai fez a vida como comerciante. Conheceu minha mãe, professora, 23 anos mais nova que ele, na pensão da minha avó, de frente à velha rodoviária de Jataí (GO), onde ele fazia as refeições. Da mala para uma lojinha de duas portas, depois outra maior, depois o casamento, a casinha na Avenida Anhanguera até o prédio da Casa Leão, na avenida Brasil meu pai escreveu a nossa história. Dele herdei muitos traços, mas principalmente a persistência e a aversão à injustiças.
Escrever sobre a causa palestina é voltar no tempo, nas memórias que tem o sabor e o cheiro da comida árabe, nas músicas, nas festas de casamento de três dias, na dança da Dabka. É ver meu pai de novo, já de idade, meio calvo, levantar seis horas da manhã para buscar o pão na padaria mais antiga da Avenida Goiás e voltar para tomar seu chá com miramia, comer seu pão com zátar e descer as escadas para abrir a loja, sempre antes das 7h.
Me vi Palestina, de descendência Palestina, primeiro na escola árabe com o professor me ensinando a rezar: “bismileh aurahmeni aurahim...”
Depois nas andanças com meu pai para o Rio Grande do Sul, onde me integrei à Juventude Sanaúd, que em árabe significa “voltaremos”...
E daí passeatas e caminhadas pelas ruas de Goiânia, onde fui estudar.
Mergulho nessas memórias para dizer que cresci ouvindo a história de quem viveu todo o processo de expropriação, de perda da identidade. Palestinos forçados a morrer como Nação e se tornarem jordanianos ou árabes simplesmente.
A vida toda desejei andar com meu pai pelas ruas de Ramallah, comendo os doces que ele sempre trazia nas suas frequentes viagens “à Terra”. Não foi nessa vida que conseguimos.
Hoje, vejo pessoas inteligentes e até bem informadas fechando os olhos para o genocídio televisionado que Israel impõe aos palestinos. Imagens de bebês deixados para apodrecer num hospital desocupado à força. Relatos e mais relatos do tratamento sub-humano que meus irmãos palestinos foram forçados a viver durante tanto tempo, não tenho como escrever sem que me venham lágrimas aos olhos.
Só essa pressão, por todos os países: desde aqui até a Europa, os Estados Unidos e os países árabes para constranger os que perpetram estes crimes, que não são apenas contra os Palestinos, mas contra a humanidade.
Que o império americano, parceiro dos crimes cometidos por Israel, enfrente o declínio, econômico e político. Já patrocinaram guerras demais em nome do petróleo árabe, de posições estratégicas no mundo árabe. Eles pariram esse monstro que o Estado de Israel se tornou. São eles que treinam e armam os ditos “grupos terroristas”.
Com o tempo, a verdade aparecerá cada vez mais límpida nas páginas da história. Até lá, contemos os corpos, mas sem perder a capacidade de nos indignar. Com todas as mortes desnecessárias - de lado a lado - que acontecem naquela estreita faixa de Terra, onde tantos ossos já foram enterrados desde que essa disputa começou.
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