A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins reconheceu que o período de união estável concedido em juízo de primeiro grau, corresponderá, na verdade, a um namoro. A decisão confirmou a tese do recorrente: a existência de namoro qualificado.
O Tribunal reformou a sentença para adequar a partilha de bens quanto ao período de duração da união estável, que teria se estendido de janeiro de 2014 a novembro de 2015. No período compreendido entre 2008 e 2013, a relação entre as partes seria apenas de um namoro.
Em análise dos autos, o relator determinou que a prova produzida é incapaz de comprovar o marco inicial da união estável como em 2008. “A documentação juntada ao feito, analisada em cotejo com a prova oral produzida, não se revela coesa e segura a comprovar que o relacionamento amoroso, com contornos típicos da união estável, tenha se iniciado no ano do nascimento da filha menor do ex-casal”.
Conforme o voto do magistrado, para fins de comprovação de união estável deve ser observada a efetiva definição do casal pela comunhão de vida como se casados fossem. Sendo assim, “o fato de o réu, sobretudo após o encerramento da obra na cidade, voltar à localidade, seja com o intuito de se encontrar amorosamente com a primeira apelante, seja para visitar a filha, não indica contornos de continuidade, duração e reconhecimento público de constituição de família (artigo 1.723, Código Civil de 2002)”.
“É indispensável ressaltar, inclusive, que a própria autora, em audiência de Instrução e Julgamento, afirma, de forma clara, que o namoro teria iniciado em maio de 2007. Registro, ademais, que a magistrada chega a frisar a expressão ‘a namorar’, como se extrai do áudio juntado ao feito de origem”, pontuou.
O relator concluiu que a decisão de formação de família somente se deu em meados de fevereiro de 2013, quando, em comunhão de vontades, as partes optaram por coabitar, a fim de criarem juntos a filha em outro país. Deste modo, votou por conhecer e dar parcial provimento ao apelo, para estabelecer o período da união estável havida entre as partes e determinar a partilha dos bens e dívidas amealhadas neste lapso.
Progressismo
Para a advogada Alessandra Muniz, presidente do IBDFAM-TO, a decisão progressista coloca o Tribunal no patamar de um início de decisões “que não pregam somente o direito positivado, mas também a evolução da sociedade que não consegue acompanhar as leis, tendo os magistrados que se debruçarem em seus votos com um olhar mais acurado e humanista”.
“A união estável e seus requisitos estão positivados no artigo 1.723 do Código Civil de 2002. Ter uma convivência pública, contínua e duradoura, com o ânimo de constituir família é união estável. O namoro qualificado não está contemplado em lei, porém, jurisprudencialmente, vem tendo seu reconhecimento”, explica a especialista.
Segundo ela, é muito “sui generis” a diferença entre ambos: “o namoro, atualmente, contempla os mesmos requisitos do artigo citado, e a diferenciação se dá no animus de constituição familiar. Enquanto na união estável esse ânimo é imediato, no namoro qualificado é mediato. Mas vejamos que é muito sutil e subjetivo o ânimo de constituir uma família. Daí, um olhar mais acurado dos magistrados para decretarem um ou outro, analisando sempre cada caso concreto”.
A advogada frisa que, sendo namoro, não há que se falar em partilha de bens, pois não gera efeitos patrimoniais. Ao contrário da união estável, modalidade na qual, quando não estabelecido o regime de bens, vigora o da comunhão parcial, estabelecendo, portanto, efeitos para partilha no percentual de 50% para cada ex-convivente.
Contrato de namoro
A presidente do IBDFAM-TO destaca que, com a pandemia, muitos casais de namorados resolveram morar na mesma casa e partilharem despesas. Neste cenário, ela adverte: “caso não queira o casal constituir família imediatamente e que essa união não gere efeitos patrimoniais, o mais correto seria procurar um advogado e terem um contrato de namoro assinado. Mas, cuidado! Ter contrato de namoro que não se renova, pode sim virar união estável”.
De acordo com ela, o animus de constituir família é uma linha tênue. Deste modo, é preciso analisar cada caso concreto e as provas inseridas nos autos para chegar a um denominador comum.
Alessandra finaliza com uma homenagem ao jurista Zeno Veloso, diretor nacional e cofundador do IBDFAM, que morreu em 18 de março, vítima da Covid-19:
“E por último, e mais importante, a voz do Mestre Zeno Veloso ressoa nos vários tribunais do Brasil. É com ele que termino essa breve explanação sobre namoro qualificado. Ao Mestre com carinho:
Nem sempre é fácil distinguir essa situação – a união estável – de outra, o namoro, que também se apresenta informalmente no meio social. Numa feição moderna, aberta, liberal, especialmente se entre pessoas adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores (alguns bem-sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas, o namoro implica, igualmente, convivência íntima – inclusive, sexual –, os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade, um relacionamento amoroso.
E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a situação pode se assemelhar – e muito – a uma união estável. Parece, mas não é! Pois falta um elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de ‘namoro qualificado’, os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem – ou ainda não querem – constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de ‘affectio maritalis’.
Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro – mesmo do tal namoro qualificado –, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo (VELOSO, Zeno. Direito Civil: temas. Belém: ANOREGPA, 2018. p. 313)”.
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