O cenário socioeconômico-ambiental no qual estamos inseridos é uma consequência das decisões tomadas no passado. As gerações futuras, por sua vez, estarão imersas nos resultados das escolhas que fazemos hoje. Com base na herança de uma para outra geração, o decurso do tempo registra que os problemas seculares se agravam proporcionalmente com o aumento da população global: entre a década de 1960 e os anos 2000, o número saltou de 3 para 6 bilhões de pessoas, e, em 2050, seremos mais de 9,7 bilhões de habitantes, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Essa premissa, sensível à relação entre o homem e o planeta Terra, em 2015, conduziu a Cúpula das Nações Unidas a constituir um documento de notável relevância internacional, com adesão de 193 países, dentre eles, o Brasil: Agenda 2030, a qual, baseada em cinco eixos de atuação, os chamados 5 pês – Paz, Pessoas, Planeta, Prosperidade e Parcerias – se dedica ao cumprimento de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 169 metas.
Devendo produzir resultados efetivos até 2030, por meio de uma leitura amplificada e sistêmica, os ODS são integrados, mesclando as três dimensões do desenvolvimento sustentável – a social, a econômica e a ambiental –, e também indivisíveis, pelo fato de a verificação de cada objetivo estar em interseção com outro.
Ao contrário de tentativas anteriores, como no caso dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, a Agenda 2030 projeta a essencialidade dos governos locais e regionais na promoção do desenvolvimento sustentável e reconhece que as nações enfrentem problemas de natureza e em intensidades distintas. Mais que projetar essa essencialidade, tornou partícipes do processo de implementação, além dos poderes públicos, o setor privado, as organizações da sociedade civil, a comunidade acadêmica e o cidadão comum.
Dessa maneira, em um esforço conjunto, fomos convocados à assunção do papel de alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os quais, merecendo a devida reflexão, não poderiam deixar de ser escritos aqui: Erradicação da pobreza; Fome zero e agricultura sustentável; Saúde e bem-estar; Educação de qualidade; Igualdade de gênero; Água potável e saneamento; Energia limpa e acessível; Trabalho decente e crescimento econômico; Indústria, Inovação infraestrutura; Redução das desigualdades; Cidades e comunidades sustentáveis; Consumo e produção responsáveis; Ação contra a mudança global do clima; Vida na água; Vida terrestre; Paz, justiça e instituições eficazes; e Parcerias e meios de implementação.
Em outras palavras, considerando objetivos e metas, não se trata de uma fórmula mágica, mas sim de um compilado de estratégias que podem ser adaptadas a contextos específicos e a necessidades de diferentes cidades e regiões, de modo que a colaboração entre os países, bem assim a ação internalizada de cada nação e de seus respectivos governos subnacionais é determinante para o sucesso ou para o fracasso da Agenda.
A par do plano teórico, ações estão sendo desenvolvidas por diversos atores sociais ao redor do mundo e já em pontos distintos do Brasil, dando mostras de que grupos têm se dedicado a transformar a realidade à sua volta, de modo a impactar o presente e a transformar o futuro.
Estados como São Paulo, Maranhão e Pará, por exemplo, incorporaram expressamente em seus respectivos Planos Plurianuais - PPA a Agenda 2030, dando contornos formais aos ODS. O PPA é o fio condutor do planejamento governamental de médio prazo que estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública e, é através dele, que são formatados os programas e ações que resultarão em bens e serviços para a população.
No Tocantins, no mês de março deste ano, o Conselho de Programa de Parcerias e Investimentos do Estado aprovou o programa Tocantins Cidades Inovadoras e Sustentáveis que, inspirado em conceitos como os das smart cities, ou Cidades Inteligentes, se propõe a apoiar municípios tocantinenses no desenvolvimento de projetos de infraestrutura urbana, que, viabilizados com investimentos do setor privado, associem inovação, tecnologia, desenvolvimento urbano, melhoria de serviços e qualidade de vida.
Outro exemplo neste Estado é o da Universidade Federal do Tocantins – UFT, que inseriu os ODS em seu Programa de Desenvolvimento Institucional (2021/2025), o que refletirá em ações internas, diretamente junto aos cursos, e também nas atividades de extensão universitária.
O Município de Barcarena/PA, por sua vez, alinhou os instrumentos de planejamento, gestão governamental e o arcabouço jurídico municipal à Agenda 2030. Por ser a diretriz base do PPA, toda e qualquer ação no município tem como foco as metas dos ODS.
O Poder Judiciário também se apropriou da Agenda 2030: o Supremo Tribunal Federal - STF institucionalizou formalmente os ODS, via Resolução, no âmbito do Tribunal; o Superior Tribunal de Justiça - STJ, o Tribunal Superior do Trabalho – TST e Tribunal de Contas da União - TCU também têm atuado de modo realçar institucionalmente a relevância dos ODS.
De outro lado, ao assumirem o protagonismo que lhes cabe, as empresas, possuidoras de grande responsabilidade quanto à implementação da Agenda 2030, têm passado, por exemplo, a promover a inclusão de mulheres em cargos de liderança, equiparando os salários, a viabilizar ambientes de trabalho éticos e justos e a fazer a gestão integrada dos resíduos sólidos que geram, aplicando processos como o dos 3R (redução, reutilização e reciclagem). Grandes avanços nesse âmbito e que merecem destaque resultam da união dos três maiores bancos privados do País – Bradesco, Itaú Unibanco e Santander –, que formataram um plano integrado com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
De modo notável, o terceiro setor tem sido decisivo para a materialização dos ODS no Brasil e, dentre suas soluções inovadoras, merece enlevo o projeto de Fossas Sépticas Ecológicas, desenvolvido pela Fundação Odebrecht em diversos municípios do Sul da Bahia, com um modelo de sanitização rural inovador, de baixo custo e fácil instalação, visando sanar o déficit de saneamento na região, e ainda, o Projeto Médicos de Rua, conduzido pela Associação Médicos do Mundo, que cuida da saúde de grupos vulneráveis, como moradores de rua, LGBTQI+, mulheres vítimas de violência e refugiados.
Por fim, o mais poderoso de todos os agentes – o cidadão comum –, individualmente, apropriando-se de sua atuação decisiva para a implementação da Agenda 2030, podendo, dentre tantas outras formas, otimizar o consumo de água, separar lixo orgânico e inorgânico produzido em casa, combater o desperdício, enfrentar os próprios preconceitos, doar bens excedentes, agir pacificamente e com senso de justiça e proteger a natureza, tem multiplicado esforços para o cumprimento dos ODS.
Não é necessário alcançar o mundo inteiro de uma vez, mas, como ondas que vão se sobrepondo e dão vastidão aos oceanos, espera-se que cada indivíduo possa intervir positivamente no local onde habita. Note-se, por exemplo, que, em Palmas/TO, a iniciativa de um médico ginecologista, contribuindo para uma melhor arborização, oportunizou o plantio, nos canteiros da cidade, de mais de 700 mudas de árvores nativas que foram por ele cultivadas.
Por fim, apesar de haver, às vezes, despretensioso engajamento individual ou de pequenos grupos através da doação de cestas básicas, roupas, produtos de higiene, medicamentos e valores financeiros, tornou-se urgente robustecer essas e outras ações positivas no Brasil, vinculando-as, por meio de seus agentes, às propostas da Agenda 2030, bem assim localizar os ODS em nível local, regional e nacional.
Se considerarmos que a pandemia da Covid-19 descortinou, expôs as entranhas das grandes desigualdades sociais que já existiam pelo mundo – são 14,5 milhões de famílias vivendo em extrema pobreza –, evidenciando com a mais dolorida nitidez a fome, a falta de acesso ao saneamento básico e a existência de habitações inadequadas, a ação ou a omissão impactará, positiva ou negativamente, não somente o presente, mas, em especial, o futuro. Aderir à Agenda 2030, garantindo o cumprimento dos ODS, é atribuir à nossa época profundo valor civilizatório.
Autores
Flávia dos Passos, mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins, advogada, professora, técnica na UFT e Superintendente de Assuntos Legislativos da Casa Civil do Estado do Tocantins.
Sebastião Neuzin, mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins, advogado, analista-jurídico do Poder Executivo, Secretário Executivo da Casa Civil do Estado do Tocantins @neuzin.
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