A liberdade de expressão é uma conquista de um período muito importante da história da humanidade: a modernidade. Os valores da modernidade, moldados pelo iluminismo e pelo liberalismo, determinaram o mundo como vivemos. A principal conquista das Revoluções Liberais-Burguesas é a substituição do modelo de Estado unitário, autocrático, e centralizado na figura do rei pelo Estado de Direito, onde as leis são o centro dos poderes, que são tripartidos, e a democracia é forma de Governo.
O Estado-Leviatã do Absolutismo foi derrubado nesse período da história, cujo maior evento é a Revolução Francesa, mas sem deixar de reconhecer os precedentes históricos da Revolução Gloriosa na Inglaterra e a Revolução Americana nos EUA. O Estado tem prerrogativas especiais, mas não pode negar que o indivíduo existe e por existir tem dignidade, e para resguardar sua dignidade, ele precisa de direitos que este próprio Estado deve respeitar.
Essa compreensão tem fundamento axiológico nos valores liberais, que se espraiam em vários ramos: na Filosofia, na Economia, no Direito. O liberalismo é a principal ideologia deste mundo, que rompe com as amarras do feudalismo e consagra a economia de mercado. Como a ideia de liberalismo foca no reconhecimento da individualidade humana, fruto dos questionamentos filosóficos do Iluminismo, a liberdade de expressão e a democracia como governo dos homens livres (da tirania do Estado-Leviatã) são as bases fundantes do nosso Estado de Direito.
A liberdade de expressão, portanto, dá sentido à existência do indivíduo, mas qual indivíduo? Ora, todos! Por isso, que na mesma quadra história que se reconhece a liberdade de expressão, a garantia da propriedade privada, a livre iniciativa de empresa, a liberdade da imprensa, também se protege a honra das pessoas. Todos os direitos fundamentais reconhecidos neste início da hegemonia do pensamento liberal são os chamados direitos humanos de “primeira geração”, termo que recebe críticas, mas que em síntese, comportam o rol das liberdades individuais.
Por dar sentido à existência de todos os indivíduos, a liberdade de expressão não comporta a violência verbal. Por isso, temos tipos penais específicos para criminalizar o uso ilegal das palavras que ataquem a honra alheia, sem prejuízo das sanções civis. Defender a liberdade de expressão é combater a mentira e a má-fé no seu uso.
No mesmo sentido, a pretexto de destruir o sentido teleológico da liberdade de expressão, criou-se a demonização do chamado “politicamente correto”. O que vem a ser isso? É não utilizar do seu direito de livre expressar para discriminar minorias: mulheres, negros, a população LGBT, indígenas, nordestinos, nós, nortistas. Permitir que a liberdade de expressão permita a ridicularização das minorias, mesmo que a título de um inexistente “humor”, é justamente negar o sentido da liberdade de expressão que garante a existência digna de todos, repito, todos os indivíduos.
A democracia precisa ser defendida e, com ela, a liberdade de expressão. A democracia se fundamenta na diversidade de opiniões e elas são garantidas pela liberdade de expressão. O que a democracia não tolera é que a liberdade de expressão seja empreendida para conspirar contra o próprio regime democrático. Recentemente, grupos extremistas utilizam da liberdade de expressão para negar a existência de minorias, das opiniões divergentes, e implantar um discurso único, impondo homogeneidade que não existe, como “o povo”, “os patriotas”, como se não houvesse indivíduos livres que estão neste conjunto pensando de formas diferentes.
O extremismo político que surge no ocidente coloca em risco as maiores conquistas ocidentais, que são os valores liberais. Por vezes, utilizando-se inclusive da manifestação inocente da fé, tenta-se turbar a liberdade de expressão com o envernizamento do discurso do ódio sobre premissas religiosas, mas o próprio Cristo nos anunciou no Evangelho de São Marcos (cap. 13) e de São Mateus (cap. 24) que muitos falsos profetas viriam para anunciar a palavra em seu nome e para enganar as pessoas. Jesus nunca ensinou o ódio e na sua crucificação, levou consigo para o céu um confesso pecador.
O extremismo político e a mentira são os maiores inimigos da democracia e do próprio liberalismo. A liberdade de expressão precisa ser defendida na sua gênese, que assegura a livre existência e os direitos civis de todas as pessoas. Repudiar a indústria do ódio e da mentira são as tarefas de quem defende a liberdade de expressão.
Nile William Hamdy é Advogado, Professor de Direito do IFTO e Mestre em Direito Agrário pela UFG.
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