A linguagem assassina que matou Jéssica

Juliete Oliveira.
Descrição: Juliete Oliveira. Crédito: Divulgação

Quando um dos responsáveis pela página Choquei, alardeia: "Avisa para ela que a redação do ENEM já passou. Pelo amor de Deus!" em resposta aos apelos de retirada do conteúdo do ar, que se referiam à jovem Jéssica Vitória Canedo – 22 anos, envolvida em uma fake news em relação ao humorista Whindersson Nunes, que lamentavelmente levou a moça a atentar contra a própria vida, há aí uma evidente intenção. A fala do representante da Choquei tem tudo a ver com a mentalidade desrespeitosa, acintosa, mesmo, com que algumas páginas de conteúdo masculino tratam as mulheres e qualquer assunto que busca fortalecer a luta feminista por direitos, como foi o caso do tema da redação do último Exame do Ensino Médio (ENEM).

 

Se referir em uma situação que aparentemente não tem nada a ver com a outra para alfinetar os grupos que fazem a defesa de uma delas, é uma estratégia de comunicação para tornar o tema que se abriga teoricamente como uma prática intempestiva -  irrompendo no real desde o desejo de transformar o mundo e a partir dos nossos corpos, das nossas subjetividades, faz lembrar de um exemplo de linguagem encarnada no corpo e numa história de lutas – o créole do Caribe – uma linguagem política (HERRERA FLORES, 2005).

 

Uma política contra as mulheres. Quando o pseudoarquétipo Choquei se refere à redação do ENEM, ele lança mão de um recurso para ridicularizar o tema, torná-lo pouco relevante, torná-lo chacota, menor para um público ávido por consumir informações (desinformação) como essa. Os que não falam o alfabeto cibernético do deboche não percebem, sobretudo, o vai-e-vem da troca, em fala, o diálogo entre os oradores e o público, suas referências singulares, mas, os consumidores se identificam de pronto com o que está sendo dito.

 

Jéssica Vitória Canedo foi um peão no meio do carrossel da disputa por audiência (likes) a qualquer custo, que gozam da impunidade que impera nas redes sociais que não consideram a fragilidade mental em que se encontra grande parte das pessoas, sobretudo, as mais jovens que estão amadurecendo em um ambiente de superexposição e sem regras muito abrangentes em defesa dos direitos individuais. 

 

Por Juliete Oliveira

Nasceu em Palestina(PA), mãe, poeta, educadora ambiental, ativista dos direitos humanos, parte da memória de um lugar chamado Araguaia. Escreve como um ato de subversão e para alcançar uma respiração possível em conjunto com outras mulheres.

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