A reforma do CPP não pode ser um retrocesso

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Está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 8.045/2010, que trata da reforma do Código de Processo Penal (CPP). Aprovado no Senado Federal no ano de 2010 e depois de um longo período caminhando a passos lentos na Câmara dos Deputados, o projeto voltou à pauta de discussão nos últimos dias.

 

O projeto foi idealizado com o propósito de modernizar a legislação processual penal brasileira, o que é louvável. No entanto, sua discussão e aprovação não pode ocorrer de afogadilho. Ao contrário, demanda debate maduro – e sem pressa –, a ser levado a efeito por especialistas na matéria, integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, das Polícias Civil e Militar, das respectivas entidades de classe e da sociedade em geral.

 

Isso porque diversos pontos do projeto, da forma como apresentado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados – criada especificamente para tratar da matéria –, podem ensejar aumento da impunidade no Brasil.

 

Dentre inúmeros outros fatores de preocupação, o projeto limita o poder investigatório do Ministério Público e permite a investigação defensiva sem controle do Estado.

 

De acordo com o projeto, o Ministério Público somente poderá promover a investigação criminal quando houver fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político, o que, na prática, significa a ressurreição da PEC 37, amplamente rejeitada pela Câmara dos Deputados no ano de 2013, após maciça mobilização popular.

 

O artigo 129, inciso I, da Constituição Federal estabelece como função institucional do Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública”, daí derivando seu poder investigatório em matéria criminal. Após a rejeição da PEC 37, a questão foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2015, que, em sede de repercussão geral (Tema 184), fixou a tese de que “o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal”.

 

Não há razão plausível para volver a discutir o assunto, sobretudo em tempos de pandemia, mesmo porque a limitação da atividade investigatória do Ministério Público inibe a apuração de muitos crimes, contribuindo para o aumento da impunidade e descrédito do sistema de justiça, o que não pode ser a intenção da reforma.

 

Paralelamente a isso, o projeto autoriza a investigação defensiva, sem procedimento formal e sem controle do Estado. Sob esse aspecto, é preciso ter em mente que toda investigação realizada pelos órgãos de controle submete-se aos princípios da oficialidade e da legalidade, o que é da essência do Estado Democrático de Direito.

 

É muito incongruente limitar a atividade investigatória oficial do Ministério Público – que atua no processo penal como órgão acusador, fiscal da ordem jurídica e defensor da sociedade – e, ao mesmo tempo, permitir a investigação defensiva sem controle estatal.

 

Não bastasse, o projeto contempla outros pontos que afetam o Ministério Público e podem ensejar aumento da impunidade: usurpação da função do Ministério Público no acordo de não persecução penal; burocratização da prova de reconhecimento de pessoas; proibição de menção da prova colhida na fase policial no Tribunal do Júri, dentre outros.

 

Não se está contra a reforma do CPP. Muito ao contrário, é induvidoso que o Código precisa ser modernizado e adequado à Constituição Federal. A reforma, no entanto, antes de aprovada, deve ser amplamente debatida pela sociedade, nunca se perdendo de vista que o Ministério Público foi tido pelo legislador constituinte de 1988 como protagonista no processo penal. Inibir sua atuação, como pretende o projeto em muitos pontos, para além de retrocesso no combate à criminalidade, significa ofensa à Constituição Federal. Não é isso que a sociedade espera.

 

Pedro Evandro de Vicente Rufato

Presidente da Associação Tocantinense do Ministério Público (ATM).

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