A saga dos servidores do Tocantins que buscam o caminho de volta à valorização

Como o enredo de um clássico dos anos 80 ajuda a entender a longa jornada dos servidores públicos tocantinenses na luta por um teto remuneratório justo

Wlademir Costa é ex-secretário da SSP/TO e presidente da ADEPTO/TO
Descrição: Wlademir Costa é ex-secretário da SSP/TO e presidente da ADEPTO/TO Crédito: Divulgação

Nos anos 1980, o desenho animado “Caverna do Dragão” (Dungeons & Dragons) conquistou gerações. Na história, seis jovens entram em um brinquedo de parque e são transportados para um mundo paralelo, repleto de desafios e criaturas fantásticas. Guiados pelo enigmático Mestre dos Magos, eles tentam, episódio após episódio, voltar para casa — mas o portal de saída sempre se fecha no último instante. Essa trama fantástica acabou se tornando, décadas depois, em uma metáfora perfeita para a realidade vivida por milhares de servidores públicos do Tocantins, que há mais de uma década tentam escapar de seu próprio labirinto: o  subteto remuneratório estadual. 

 

 

A jornada começou há mais de uma década, quando o Estado do Tocantins instituiu um subteto que limitou os vencimentos de servidores públicos ao salário do Governador, o qual ficou sem correção monetária por um longo período. Na prática, criou-se um “teto dentro do teto”, inferior ao que a Constituição Federal prevê, com base no subsídio dos desembargadores.O que parecia uma medida de controle fiscal se transformou, ao longo dos anos, em um símbolo de injustiça e desvalorização profissional. Diversas categorias — policiais, auditores, médicos etc — se viram presas a um limite que não acompanhava a realidade de suas funções e responsabilidades. 

 

 

Desde então, o que não faltaram foram promessas. Comissões foram criadas, grupos de trabalho formados, PECs anunciadas e estudos de impacto divulgados. A cada novo movimento, reacende-se a esperança de que o portal da valorização enfim se abrirá. Mas, como na Caverna do Dragão, o roteiro se repete: os heróis avançam um passo, e algo — burocracia, orçamento, política — os empurram dois passos para trás. O tempo passa, o cenário muda, os protagonistas envelhecem... mas o labirinto continua o mesmo.

 

 

No desenho, o Mestre dos Magos aparecia e desaparecia com conselhos enigmáticos. Na vida real, ele é interpretado pelas vozes oficiais que dizem: “O governo está estudando o impacto,” “O diálogo está aberto,” ou “Estamos próximos de uma solução.” Palavras que soam como esperança, mas que se dissolvem no ar como fumaça de encantamento. Enquanto isso, os servidores seguem trabalhando — com dedicação, mesmo sem saber quando o próximo portal se abrirá. 

 

 

Toda saga precisa de um vilão. No caso tocantinense, ele veste o nome de responsabilidade fiscal. O argumento — legítimo, mas recorrente — é de que não há espaço orçamentário para elevar os vencimentos. É o Vingador moderno, que surge sempre no momento em que a saída parece próxima, impondo limites e travas. E, atrás dele, ruge o Dragão do Orçamento: uma criatura de muitas cabeças — folha de pagamento, previdência, arrecadação, repasses, política. Cada uma sopra fogo sobre qualquer tentativa de mudança. Enfrentá-lo exige mais do que números: exige coragem, diálogo e vontade política. 

 

 

Apesar de tudo, os servidores continuam sua jornada. São eles os verdadeiros heróis desta história: homens e mulheres que sustentam o funcionamento do Estado nas delegacias, nos hospitais, na arrecadação, repartições públicas, nas ruas etc. Como os personagens do desenho, cada um empunha sua arma simbólica: a fé, a paciência, o compromisso, o amor pelo que faz. Eles não pedem privilégios — pedem reconhecimento e equilíbrio. Para eles, o teto único não é apenas uma pauta financeira; é o símbolo da dignidade profissional, o reencontro com o valor de servir. 

 

 

Em 2024, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário Estadual, declarou inconstitucional o subteto do Tocantins, reconhecendo a desigualdade criada pela legislação estadual. Foi um marco histórico — o “episódio de virada”, como diriam os fãs da animação. Mas, mesmo assim, o portal ainda não se abriu para os servidores dos Poderes Executivo e Legislativo. A decisão judicial foi seguida por novas rodadas de discussões e por uma PEC do Teto Único, ainda em fase de tramitação e negociação política.  

 

 

Em “Caverna do Dragão”, os heróis nunca conseguiram voltar para casa. Mas na vida real, essa história ainda pode ter um desfecho diferente. A aprovação de um teto único e justo seria mais do que um ajuste contábil: seria um ato de justiça histórica. Seria o momento em que o Tocantins mostraria que valoriza quem dedica a vida a servir o público. Seria o capítulo em que os heróis, enfim, encontram a saída — não para escapar do Reino, mas para continuar nele com dignidade e reconhecimento. 

 

 

Enquanto isso, os servidores seguem lutando — como os jovens da animação, acreditando que o próximo portal será o definitivo. E talvez, quando ele se abrir, o que sairá dele não será apenas luz, mas a certeza de que, no Tocantins, a justiça salarial também pode ser uma forma de magia.

 

 

Wlademir Costa Mota Oliveira, Delegado de Polícia, Presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Tocantins (ADEPTO/TO) e ex-Secretário de Segurança Pública.

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