A violência contra a mulher e a desigualdade de gênero; qual o papel do Núcleo do MPE

Leila Maria fala sobre violência doméstica e desigualdade de gêneros e sobre a atuação do Núcleo Maria da Penha do Ministério Público do Estado do Tocantins

A violência doméstica e a desigualdade entre os gêneros masculino e feminino não é um fato recente, está historicamente ligado a formação da sociedade. Ela não escolhe fatores sociais, intelectuais ou econômicos, perfaz-se independente disso em todos os níveis da sociedade.

 

Durante séculos, em razão do sistema social patriarcal a mulher foi colocada em uma situação de subalternidade e tolida do acesso a diversos direitos e garantias, fato que a forçava sempre depender do homem seja financeiramente, afetivamente ou até mesmo intelectualmente. Já o homem, desde a infância foi preparado para ter postura de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades, domínio da família, adotando muitas das vezes atitudes agressivas.

 

Hoje esse panorama vem sendo desconstruído visto que as mulheres conquistam cada vez mais espaço, contudo, a Secretaria Nacional de Políticas para mulheres divulgou através de um relatório feito em 2008 uma pesquisa que retrata o perfil da mulher brasileira apontando que a cada 15 segundos uma mulher é agredida, totalizando, em 24 horas, um número de 5.760 mulheres espancadas no Brasil. Dados alarmantes, que indicam a repetição da violência contra a mulher em fração de segundos, sendo urgente o enfrentamento dessa problemática.

 

Violência vem do latim Violentia e Violare, significa caráter violento ou bravio, tratar com violência, ofender, infringir. Mais do que uma simples força física, violência pode ser conceituada também como ação ou efeito de intimidação moral, sendo o próprio abuso da força. A violência doméstica é um padrão de comportamento violento dentro do contexto doméstico e familiar sendo a maioria esmagadora das vítimas dessa forma de violência as mulheres, sendo, portanto uma forma também de violência de gênero.

 

O conceito de gênero é uma construção sociológica advinda da diferenciação do sexo biológico e sua tradução social. Pode-se dizer que gênero é o sexo social definido, ou seja, enquanto o sexo é biológico, o gênero é construído em papéis sociais e expectativas de comportamentos. Com isto podemos dizer que nascemos machos ou fêmeas, mas nos fazemos homens ou mulheres, e, é diante dessa diferenciação que podemos perceber as relações de poder e hierarquia entre homens e mulheres, disparidades que vimos serem culturais e fazerem parte da história.

 

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, reserva no seu art. 226, § 8º o direito à assistência e proteção nos casos de violência.

 

“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, cria mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”(BRASIL, 2010, p. 37).

 

Mesmo com o respaldo constitucional à problemática existe e é latente, demonstrando assim que é função do Estado promover políticas públicas para os casos de violência. Com efeito, a sociedade também deve atuar de forma decisiva, denunciando e conscientizando-se do problema. Antes de tudo, notemos que, o problema violência doméstica não é uma postura de certos homens, mas sim, uma cultura que influência toda a sociedade.

 

Dessa forma, os debates, a educação e discernimento são palavras de ordem para acabar com a impunidade dos agressores. Campanhas com ações preventivas de erradicação precisam ter mais evidência na sociedade, só assim, podemos enfrentar e superar tais contradições que alimentam essa desigualdade, tema que ao mesmo tempo é tão arcaico quanto atual. Apesar das deficiências, a violência contra a mulher e a desigualdade de gênero, caminham rumo a mudanças, e vem assumindo relevância política e visibilidade social nos últimos anos.

 

Segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM) em 46 países, as mulheres atualmente ocupam mais de 30% das cadeiras no parlamento nacional e estão em pelo menos uma Câmara. Inclusive é um dos principais objetivos que a ONU acredita que deva ser alcançado para transformação do mundo, a igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres. A implementação da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, contribuirão significativamente para potencializar o desenvolvimento do ser humano em todos os aspectos.

 

A Constituição Federal de 1988, expressamente, traz a igualdade de gêneros, em seu artigo 5º, I, na qual estabeleceu que homens e mulheres têm direitos e deveres iguais em relação à sociedade conjugal (artigo 226, § 5º), porém nessa perspectiva, não podemos omitir que, na prática, ainda existem disparidades em todas as esferas.

 

Não só no aspecto profissional, frequentemente estatísticas e notícias vem demonstrando as diferenças salariais entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo funcional. Sem contar os casos de assédio moral no trabalho, tanto praticado por superiores, quanto por colegas, funcionários e por clientes. Fora os excessos de carga horária e falta de condições adequadas de trabalho, tudo faz parte, e são questões que precisam ser debatidas e sanadas.

 

Ultrapassar o obstáculo da situação de violência doméstica e a desigualdade de gênero é uma tarefa árdua, sem dúvida. Outrossim, mulheres e meninas deve ter acesso a igualdade á educação de qualidade, a participação política e recursos financeiros, bem como aos cargos ofertados aos homens em todos os termos e níveis, não sendo permitido que a humanidade continue negando seus plenos direitos.

 

Tensões a ultrapassar existem, e para tal enfrentamento, temos a Lei nº 11.340/2006 titulada Lei Maria da Penha, que acolhe, cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, garantir a integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral da mulher.

 

A Lei ainda dispõe sobre a criação dos Juizados especializados, estabelece medidas de assistência e proteção, às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

 

Antes da Lei Maria da Penha entrar em vigor, a mulher não recebia, pelas autoridades e pela sociedade em geral, a merecida relevância, apesar da Constituição Federal declara no parágrafo 8, do Art. 226, repulsa à violência doméstica e familiar contra a mulher (MELLO; 2007, p.5).

 

A Lei Maria da Penha se apresenta como uma mão mais pesada, que visa coibir as diversas formas de violência doméstica e garantir políticas públicas voltadas para as vítimas desse crime.

 

Diante do exposto, podemos refletir que é preciso caminhar para uma sociedade educada e atenta ao preconceito, a violência doméstica e a desigualdade de gênero, para que essas práticas sejam banidas, sendo necessárias mudanças na forma de pensar e agir da sociedade.

 

E nessa perspectiva, é importante ressaltar o trabalho desempenhado pela equipe multidisciplinar do Ministério Público do Estado do Tocantins através do Núcleo Maria da Penha, onde são desenvolvidos trabalhos priorizando a prevenção da violência doméstica e a desigualdade de gênero e ao mesmo tempo garantindo o atendimento humanizado e qualificado às mulheres em situação de violência, otimizando o intercâmbio de informações entre a Rede de atendimento à mulher, além do desenvolvimento de campanhas educativas para divulgação da Lei Maria da Penha nas escolas do Município de Palmas-TO, bem como a manutenção dos cadastros atualizados dos órgãos e instituições que integram a Rede de Atendimento à Mulher em Palmas –TO.

 

Concluindo nossas reflexões, é importante mostrar que a Lei é o principal instrumento legal para coibir e punir a violência doméstica praticada contra as mulheres no Brasil. A mesma visa à proteção familiar conforme artigo 226 da Constituição Federal.

 

Nesse sentido, é preciso nos conscientizarmos que a herança cultural, reprodutora e machista está fora de uso, é uma tendências que conecta ás relações de desigualdades,que reina o domínio dos homens sobre as mulheres, reforçados e fundamentados por uma ideologia patriarcal que mantém e sustenta essa dominação gritante. A Violência doméstica e familiar e a desigualdade de gênero são uma miséria como muitas outras, que lastreia o mundo, que assusta e traz medo. Sabemos que existe a proteção policial e judicial. Mas contudo, toda a rede de enfrentamento à mulheres precisa que a sociedade em geral assuma mais esta responsabilidade, de estimular uma cultura apoiada no cumprimento constitucional  de proteção aos direitos humanos das mulheres.

 

Os desafios são muitos e por isso merece atenção especial, percebe-se que os avanços estão sendo gradativos e fragmentados, porém com resultados positivos e com muita luta, as mulheres vêm conquistando seus direitos ao longo do tempo.

 

Podemos afirmar que a escola deve se apropriar mais das transformações sociais, abrir espaços de debates para deslegitimar essa cultura de dominação. Uma escola com princípios democráticos, com nível das estruturas do saber, e das relações humanizadas, poderá levar a caminhos mais informativos, com flexibilidade, e mostrar que essa cultura da desigualdade pode ser renovada. A educação como prevenção é primordial, além da mesma poder aproveitar todas as possibilidades de aprendizagem do ensinar e do aprender é um dos principais caminhos para o rompimento da violência doméstica. Tendo em vista, que o espaço escolar é um lugar de construção de identidade de autonomia do sujeito, o ambiente estratégico para a inclusão de debates sobre a violência doméstica e a igualdade de gênero. Só assim, as próximas gerações poderão desconstruir  preconceitos tão presentes e ampliarem seus conhecimentos e compreender que homens e mulheres são iguais, que o respeito mútuo deve ser para todos.

 

*Leila Maria é psicopedagoga,da equipe Multidisciplinar do Núcleo Maria da Penha /Ministério Pública -Palmas-TO

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