A demagogia, a dissimulação e o embuste formam o tripé que, para nossa imensa e perpétua amargura, representam os pilares que impulsionam as práticas daqueles que enveredam pela arena político-eleitoral no Brasil.
Após a primeira infância todo brasileiro parece saber desse estigma, mas, contraditoriamente, continua a acreditar nos discursos proferidos por agentes partidários com os quais simpatiza.
Todavia, observando atentamente os detalhes de certos fatos e posturas emergem a hipocrisia, as mentiras, revelam-se as faces despidas das aparências oportunistas, vislumbram-se as imposturas, enfim, ainda que por via oblíqua, nos deparamos com a verdade.
Superadas essas divagações, rememoro que na publicação do acórdão do Plenário do TSE que deliberou acerca do julgamento do Recurso Ordinário que resultou na cassação dos diplomas do então governador e vice foi natural que as atenções se detivessem no desfecho daquele decisum, embora decisões com tal impacto não surpreendam tratando-se dos sobrenomes Miranda e Lelis.
Todavia, o que me despertou a atenção foram os três primeiros parágrafos daquele aresto, tratando de uma das várias questões preliminares suscitadas, inadvertidamente desprezadas pelos que tiveram interesse na leitura.
Em tais linhas, com agudeza merecida em redação do ministro Luiz Fux, não foi conhecido o recurso da Coligação Reage Tocantins, incidindo o fenômeno da preclusão lógica, porque na faculdade processual recorrente incorreu na vedação do venire contra factum proprium (em tradução simplificada, vir contra seus próprios atos), além de ser subscrita por advogado que atuou, em momentos distintos, como patrono de partes que pleiteavam deslindes antagônicos.
Urge lembrar, a Coligação Reage Tocantins (registro aprovado pelo TRE/TO em 23/7/2014) tinha na chapa majoritária o senador Ataídes de Oliveira como candidato a governador, Cinthia Ribeiro como vice e o Sargento Aragão para o Senado.
Após a apreensão de aeronave em Piracanjuba/GO com significativa quantia em dinheiro e material de campanha e apoiando-se em informações preliminares, o senador e sua Coligação impetraram pedido de investigação que restou convertido em Representação (autos 1220-86.2014.6.27.0000), demando providências que atingiam as candidaturas de Marcelo Miranda e de sua vice, requerendo também medidas em desfavor de outros candidatos e coligações, um deles Eduardo Siqueira Campos. Consignou termos veementes, compatíveis com o conhecido tom beligerante do senador quando se reporta a aparentes adversários.
O julgamento do TRE/TO deu ensejo a recurso junto ao TSE, onde foram aprofundadas apurações, enfeixando novos documentos e informações que tornaram incontroversa a caracterização da prática de ilícito eleitoral pela chapa Miranda-Lelis.
Em sede de alegações finais a Coligação liderada pelo senador Ataídes (agora compartilhando o advogado de Eduardo Siqueira Campos, a quem acusara antes, no início da lide), mesmo sob avançada impulsão processual, variados e contundentes elementos de valor probante que sobrevieram, contradizendo-se com o momento no qual dispunha apenas de elementos indiciários e mesmo assim instigou vigorosamente a Justiça Eleitoral e, mais estranho, agindo de modo diametralmente oposto ao novo, favorável e decisivo panorama apuratório delineado no TSE, pugnou pela improcedência dos pedidos deduzidos na representação, ancorando-se no argumento da inexistência de provas judiciais materiais das condutas apontadas como ilícitas.
Poderíamos especular sobre essa inusitada mudança de opinião, pois muito deveria ser indagado a respeito: fora oportunismo ou leviandade a iniciativa judicial em 2014? Foi por crer em que diplomação, ainda que obtida à revelia dos princípios regentes do processo eleitoral, redime todos os delitos, unge e autoriza o portador a gozar de imunidade, como concordam tacitamente os arcaicos e despudorados grupos ideológicas de todas as matizes nestes trópicos? Consagra o dogma partidário de que aos vencidos urge render-se em articulações de bastidores, ainda que nada republicanas? Postula ser conduta de boa-fé, sem conluio ou propósitos escusos, o compartilhamento de advogados de partes que em tese estariam em polos opostos num litígio?
Prefiro contextualizar o fato volvendo-me aos parágrafos iniciais desse texto.
Fábio Luiz M. Reis é auditor federal do TCU, lotado na Secretaria de Controle Externo no Estado do Tocantins, contador, ex-professor da Universidade Federal de Sergipe.
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