As araras vermelhas nunca migram

Crédito: Divulgação

Cida Pedrosa em Araras Vermelhas (2022), que na linguagem literária pode ser considerado uma elegia, se debruça elegantemente sobre a Guerrilha do Araguaia, na verdade a poeta se deita sobre a história como se ela fosse (e é), um solo de possibilidades, um solo de reminiscências, para ouvir através deste, outros cantos, contos.

 

Lendo o livro hoje, e numa dessas coincidências que a vida nos apresenta me deparo com um trecho em que a autora fala de Helenira de codinome Fátima que era carinhosamente chamada de Preta pelos amigos, no mesmo dia em que meus olhos se prendem à leitura deste ponto da epístola de Pedrosa, fico sabendo do assassinato de Nega Pataxó-hã-hã-hãe, Xamã, importante liderança daquele povo no extremo sul da Bahia que lutam desde sempre pelo território.

 

O que tem a ver o texto de Pedrosa com o incessante ataque aos Povos Indígenas? Todos os matizes da história recente do Brasil se agasalham no texto, as Araras pelo seu canto, por sua cor, pelo movimento migratório, sua beleza iconográfica, simbolizam, ainda, o vermelho do sangue, esse traço de irmandade de todos os seres vivos, mas que os divide, que os inviabilizam por meio de outras ferramentas criadas para conferir poder a uns em detrimento dos outros.

 

Na elegia de Cida, Preta era poeta e sonhava ser crítica de arte, andava pelo Araguaia recitando Gonçalves Dias: Sou bravo, Sou forte, Sou filho do Norte, / Guerreiros, ouvi! / Meu canto de morte, / Guerreiros, ouvi: / Sou filho das selvas, / Nas selvas cresci (...). Na memória local do povo Pataxó-hã-hã-hãe, Nega curava os males do corpo e da alma através da sua sabedoria ancestral, através porque é como se um raio tomasse o pequeno corpo da mulher para o fazer de outro mundo, de bondade e esperança, capaz de trazer alívio a quem sofre.

 

É esse mundo que Pedrosa desenha em aquarelas vermelhas por meio da própria trajetória, desde quando tinha sete anos de idade, como um compromisso e dividido em cantos o livro é um roteiro que se estende sobre a história do período de ditadura militar, nomeado os fatos e como ela diz de Araçá Azul de Caetano Veloso: o poeta se expande para além da voz / para além da imagem / para além do imaginário / branda para um brasil mudo e em estado de bruma. Cabe às araras sussurrar a palavra dura / a palavra não dita / a palavra interditada.

 

Por Juliete Oliveira

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