Desde o dia em que o governo interino tomou o poder, alguma coisa de estranho se desenhava no ar. As ruas, com seus manifestantes em verde e amarelo bradavam dizendo que o comunismo do Partido dos Trabalhadores ia quebrar o Brasil; diziam que nunca houve tantos corruptos como os políticos deste partido; diziam que a saída seria derrubar a Dilma do poder. Desde o dia em que o governo interino tomou o poder, algo estranho se mostrou: ministros acusados de corrupção nomeados sob o aplauso dos que vociferavam contra a corrupção, ampla e irrestrita cobertura da mídia que os apoia.
O ódio é a metodologia de luta política desses que agora se espantam com suas vísceras tão à amostra, como está escancarado no fatídico diálogo de Romero Jucá. Esse ódio que os levou ao poder é certamente o mesmo ódio que os respaldaram a nomear líderes com fichas tão sujas, porque eles podem tripudiar da justiça, podem tripudiar da democracia. Eles podem tudo. Além disso, como contaram com um amplo e irrestrito apoio da mídia nativa, essa que chamamos de mídia de massa a serviço do poder econômico, tiveram louvores dessa mídia na nomeação de seu estafe.
Agora assistimos a uma derrocada tão capital, quase fosse um cheque mate, feita por um de seus mais ilustres quadros. Esse quadro que foi um dos senadores que mais lutou para derrubar o governo da presidenta eleita, é agora exposto, por suas próprias palavras, como um larápio, um gatuno que se agiganta sobre todas as instituições para que o livre de complicações com a justiça. O poder é exercido agora por homens probos que tem uma ponte para o futuro. Esse senhor do diálogo é nada mais nada menos que presidente do partido do presidente interino. Ele sabe o que está dizendo.
Esse episódio demonstra que, mesmo sob a incredulidade de alguns, foi no governo do Partido dos Trabalhadores que a autonomia das investigações sobre quaisquer esferas foi o detalhe essencial para que nós soubéssemos de fato como o poder no Brasil operava. Isso incluía, como se sabe, o próprio Partido dos Trabalhadores. Todavia, em nenhum momento houve ausência de autonomia para os órgãos que investigam. A lição mais importante da democracia é justamente isso: o governo é do povo e não do mandatário ou de seu partido. Não há governo legítimo que não seja um governo que emana do povo. Não há poder legítimo sem o aval do voto.
Essa lição é tão essencial que o governo não pode exercer o poder sem que o povo, razão e finalidade do poder seja consultado. Uma das razões dessa consulta é o voto e, para além do voto, é o poder livre de instituições que defendem o princípio de manutenção da coisa pública, como o é o Ministério Público, a Polícia Federal, por exemplo. Nos governos do Partido dos Trabalhadores, esses órgãos, mesmo sob um viés nitidamente partidarizado, colocaram na ordem do dia o sistema de financiamento de campanhas políticas. Essa mensagem explica o diálogo de Jucá, que sabe, sem sombras de dúvidas que os mandatos conferidos a uma gama de políticos, com raríssimas exceções, estão implicados nesses esquemas.
A queda de Jucá atesta que não há saída para os dilemas da política sem que se consulte o povo. A solução para a crise política é a democracia. Por isso, apear do poder um ente legitimamente eleito é um risco tão grande que pode por abaixo o instituto maior da democracia: a legitimidade do voto que confere legitimidade ao poder. Aos que acreditaram nessa cantilena que iriam derrubar um governo corrupto, agora lustram suas caras com óleo de peroba. Fazem cara de paisagem. Aqui no Tocantins, temos deputados e deputadas que votaram a favor do golpe com a mesma desfaçatez dos/as hipócritas. Agora que Jucá em desgraça cai fingem-se de mudos, de surdos. Isso demonstra, mais uma vez, que nem todos/as os/as políticos/as respeitam a democracia.
Muito embora se elejam dentro das regras que validam o processo como democracia, eles/as próprios/as sempre que podem agem em favor de interesses antidemocráticos, por isso ruína de Temer começou quando aceitou conspirar. Para o infortúnio de alguns larápios, a corrupção não é mais monopólio de um ente político, como queria fazer crer a mídia nativa. Portanto, a solução, única possível, é respeitar o voto. Governos entram, governos saem, mas esse ritual tem sempre de ser precedido pelo voto, porque o poder é e deve continuar sendo do povo. A lição da democracia é que sem ela não há governo legítimo.
Adriano Castorino é doutor em Ciências Sociais/ Antropologia, técnico em Assuntos Educacionais e professor da UFT.
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