As profissões são construções sociais que se situam no tempo e no espaço daquilo que chamamos de sociedade. Portanto, fazem parte de uma base existencial do fenômeno social, ou seja, a forma como uma profissão é vista e valorizada é determinado por seu contexto histórico. O surgimento da enfermagem como prática profissional ocorreu no século XIX, com a necessidade de recuperação dos soldados feridos de guerra nos hospitais. Resgatar o percurso histórico da enfermagem é entender que a profissão se configurou como subordinada ao saber da medicina desprovida de liberdade e constituída suas bases teóricas sobre o ensinamento médico que foram passo a passo transferindo técnicas e procedimentos para esses profissionais.
O conjunto dos trabalhadores da enfermagem é a maior força de trabalho da saúde, tanto no setor público quanto no privado. Parece obvio reconhecer que a na enfermagem 90,25% dos profissionais são mulheres, no entanto, as opções da profissão enfermagem para mulheres são medidos por vários fatores e muitos deles associados aos valores culturais sustentados pelo patriarcado, como a segregação profissional que impedem o acesso a determinadas ocupações, as profissões tradicionalmente masculinas.
Esse tipo de emprego da profissão enfermagem que é ocupado por mulheres, é caracterizado por grande instabilidade, informalidade, precariedade, baixos salários, péssimas condições de trabalho e também não são respeitados os direitos já estabelecidos em lei C.L.T., mesmo quando o trabalho é realizado em um setor de grande relevância, como é o caso da saúde pública; falta de reconhecimento e perspectiva profissional colabora para reduzir a ascensão na empresa ou no setor público.
Outro fator fundamental refere-se ao machismo, uma vez que, os espaços de comando são considerados espaços masculinos. As mulheres não se sentem habilitadas para a disputa de espaço de poder no âmbito dos serviços de saúde, na hora de discursar ou propor-se para determinados cargos sentem-se melhores na execução de tarefas. Embora possa reconhecer-se que as mulheres apontam maior dificuldade em se impor e disputar espaço pela condição a que foram submetidas historicamente.
A divisão social do trabalho, que define tarefas distintas e atribui papéis para homens e mulheres, que separa a esfera da produção que hierarquiza os valores masculinos e femininos e que considera “natural” que aquelas que estão no mercado de trabalho e que detêm, na maioria das vezes, escolaridades mais elevadas não têm as mesmas oportunidades. Portanto, essa divisão do trabalho na enfermagem ocorre, nas práticas cotidianas, sob muitas formas. Uma de suas formas de expressão é que as mulheres são excluídas dos cargos e das posições mais relevantes. Por outro lado, se um cargo é ocupado por um homem, ele tem importância, e se por uma mulher, muitas vezes é visto como burocrático.
A incapacidade de combinar muitas tarefas, as mulheres defrontam-se também com obstáculos ideológicos e culturais que se manifestam não só no mundo do trabalho, mas também no universo das relações pessoais e afetiva, com falta de apoio da família.
A participação da enfermagem no mundo do trabalho em condições mais favoráveis em posto de comando, ainda está condicionada em grande medida à sua condição na estrutura familiar, pois a condição de solteira, divorciada ou viúva facilita a conciliação do espaço público ou privado.
Entender a apatia política dessa classe trabalhadora que o compõe, não lhe permite pensar uma liberdade maior como utopia desigual? E que liberdade é essa que desestimula os profissionais da enfermagem, permitindo que eles tolerem a subordinação a interesses organizacionais ou ao poder médico?
Os problemas individuais da enfermagem, raramente são traduzidos em anseios coletivos. As reivindicações por melhores condições de trabalho, salários mais justos, combate ao assédio moral e sexual, tratamento de igualdade, isonomia salarial, não ultrapassa o turno de trabalho, sem articulação política adequada, nossa voz não é ouvida nos espaços coletivos e no centro de tomadas de decisões. Mas isso só é assim porque a maioria de nós pensa que quase nada podemos fazer para mudar esta realidade.
Os avanços da profissão e desafios da construção de liberdade e igualdade no mundo do trabalho são fundamentais para a classe trabalhadora no campo da enfermagem. Ação coletiva do corpo profissional composto de enfermeiro e técnico em enfermagem e auxiliar em enfermagem. É um ponto fundamental para superação das dificuldades identificadas para agregar esforços de superar paradigma vigente no modelo biomédico. O reconhecimento do profissional da enfermagem pela sociedade só deverá ocorrer quando estivermos organizados e estruturados internamente como categoria profissional, compreendendo o nosso papel e a nossa importância na equipe de saúde. É necessário construir estratégias coletivas com a participação da categoria e as entidades representativas para discutir e definir nossos espaços. Para isso, é fundamental o conhecimento de nossa história e da história de outras categorias profissionais para compartilhar saberes e benefícios com os acertos e poder trilhar nosso próprio caminho e assim construirmos nossa trajetória, o que somente se faz com muita luta.
Antônia Régia Faustino Costa é técnica em Enfermagem do Hospital Regional Público de Palmas – HGPP, auxiliar de Enfermagem no Município de Palmas – Posto de Saúde José lúcio de Carvalho (Lago Sul), militante nas lutas da Enfermagem e ex-diretora do Sindicato de Enfermagem no Tocantins.
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