Ninguém mais apto para avaliar um aluno que o seu professor. Ele é quem sabe da participação em sala de aula, supervisiona seminários, verifica os trabalhos, corrige provas. Sua avaliação deveria ser soberana, mas não é. Isso porque a finalidade da avaliação escolar foi desvirtuada: ao invés de ser utilizada para mensurar o aprendizado do estudante, passou a servir, primordialmente, para gerar indicadores sobre a qualidade da educação.
E, em sua lógica, os governantes querem que estes indicadores sejam sempre positivos, refletindo, mesmo que falsamente, uma imagem benéfica de suas políticas educacionais e gerando repasses mais vultosos da União para os programas da área da educação. Daí surge todo o tipo de interferência e manipulação para que as anotações nos diários de classe estejam alinhadas a tais interesses políticos.
Em uma escola pública de ensino fundamental da cidade de Palmas – das novas, superestruturadas, consideradas modelo de sucesso –, chegou a ser definido que nenhum estudante deve possuir notas inferiores a cinco, não interessa que meios sejam aplicados para que isso ocorra. A lógica é que, com o mínimo de cinco, eles não terão dificuldade para alcançar a média após as etapas de recuperação e prova final, logrando a tão almejada aprovação. Afinal, são os índices elevados de aprovação, junto aos de conclusão do ensino fundamental e médio, que interessam aos agentes políticos. Pouco importa se estão sendo formados analfabetos funcionais, que progridem ano a ano na vida escolar e chegam ao ensino superior com capacidade rasteira de raciocínio e de senso crítico.
Nessa escola municipal em que a nota mínima estabelecida é cinco, há inspeção da coordenação nos diários de classe. E a direção não se furta a coagir os professores a adulterarem os registros caso a orientação não tenha sido seguida à risca. Resultado: dos mais de 1.000 alunos, menos de 10 chegam a ser reprovados por ano. E se todos os reprovados (ou a maioria) forem de uma mesma disciplina, a culpa recai sobre o professor: se os alunos não aprenderam, o entendimento é de que há algo de errado na didática. Então, fecha-se o cerco: para não enfrentar questionamentos e até mesmo perseguição, é mais prático que o professor se enquadre no status quo. E, assim, estabelece-se o silêncio sobre o assunto.
Mas as coisas não precisam acontecer desse modo, na surdina. Os critérios e a importância da avaliação escolar podem ser debatidos e revistos às claras. Afinal, no campo teórico da pedagogia, ganha cada vez mais espaço a tese de que a repetência provoca mais malefícios do que benefícios: afeta a autoestima do aluno, força-o a conviver com colegas de classe mais novos e faz com que tenha que rever o mesmo conteúdo ao longo de um ano, levando-o à perda da motivação e contribuindo para a evasão escolar. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação já chegou a recomendar a “progressão automática” dos alunos nos primeiros anos do ensino fundamental, quando estão sob o processo de alfabetização. Ao menos nessa etapa inicial da vida escolar, a relativização na avaliação da aprendizagem não traria perdas.
Mas o que fica nítido é que o aspecto político se sobrepõe ao pedagógico quanto à questão da não repetência escolar. Também tenho por certo que essa realidade não se limita a uma escola, nem mesmo só a Palmas ou ao Tocantins.
Assim, quem sou eu, um mero leigo, para tentar esgotar a discussão sobre assunto tão abrangente, que envolve toda a avaliação do processo de aprendizagem e o repasse de recursos às escolas? Tento apenas lançar um alerta, no sentido de que a educação de crianças e jovens seja vista em sua plenitude, e não como um mero gerador de indicadores (necessariamente positivos) para a gestão pública. E que, sendo necessária, a prática da aprovação automática dos alunos saia do plano do obscurantismo e seja alvo de uma discussão clara, que envolva também o debate quanto ao formato da avaliação escolar.
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