Educar mais e melhor deve envolver o conhecimento sobre os direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto, importa aqui pontuar que a Constituição Federal dispõe a isonomia de direitos e obrigações entre os gêneros.
Uma sociedade isonômica e justa, será aquela em que meninos e meninas, homens e mulheres, independentemente de seu gênero, se investirão nos mesmos deveres, se desenvolvendo num ambiente de cooperação e mútuo respeito.
Todavia, as oportunidades e salários praticados no mercado de trabalho, e a proporção de parlamentares no Congresso Nacional, por exemplo, demonstram que a igualdade de gênero estampada no texto constitucional ainda não foi devidamente assimilada pela sociedade.
A violência doméstica, a percepção restritiva da constituição das famílias, e os crimes de ódio cometidos contra mulheres, homossexuais, e transgêneros também demonstram que importantes avanços legislativos, a exemplo da Lei Maria da Penha e de combate ao feminicídio, e as modernas decisões do Supremo Tribunal Federal não são ainda suficientes para combater o preconceito e a violência.
Se a democracia, de fato, deve tributo aos direitos das minorias, me parece certo que temos que evoluir como sociedade para darmos concretude às disposições constitucionais.
Para tanto, o debate de gênero e sexualidade deve ser travado não só na reserva da intimidade, mas também se impõe a elaboração e efetivação de políticas públicas qualificadas, sobretudo relacionadas à educação.
A própria educação, não olvidemos, é direito social de todos e todas e encontra abrigo na Carta da República.
Inapelavelmente, pois, a construção de valores e atitudes que permitam a correção das distorções evidenciadas passará pela escola.
A escola que precisamos deve ser um espaço democrático que estimule e fomente as reflexões e o pensamento crítico necessários para que as gerações próximas suplantem os paradigmas culturais, sociais, e religiosos que obstam o desenvolvimento intelectual e humanista, e a desmistificação de diferenças marcadas pelo preconceito.
Importa dizer que o conhecimento sobre gênero não tem o condão de induzir a sexualidade de nenhuma criança, mas tem o poder de disseminar a compreensão e a harmonia.
Infelizmente, contudo, o direito social de ensinar e aprender mais e melhor foi tolhido pelo Poder Público do Município de Palmas (TO), mediante edição da Medida Provisória nº 006/2016, pelo Executivo Municipal, posteriormente convertida em Lei pelo Legislativo.
A Administração Municipal, vulnerando a Constituição Federal, e em desalinho com o Plano Nacional de Educação, alterou o Plano Municipal de Educação, normatizando vedação à discussão e à utilização de material didático e paradidático sobre a “ideologia ou teoria de gênero, inclusive promoção e condutas, permissão de atos e comportamentos que induzam à referida temática, bem como os assuntos ligados à sexualidade e erotização."
É lamentável e emblemático que Palmas, sexta Capital com maior índice de feminicídio – consoante o Mapa da Violência 2015, publicado pela FLACSO – esteja também na “vanguarda do atraso”, ao se posicionar dentre as primeiras cidades brasileiras que impedem uma discussão tão importante, e que já não pode seguir sendo ignorada.
Notemos que evitar o debate em âmbito escolar não eliminará um fato: há diferenças entre gêneros e sexualidade. A tentativa de impedir o estudo sobre esse tema implica em negar a existência de algo que, simplesmente, existe.
A prevalecer a situação atual, Professores e Professoras que educarem sobre as diferenças de gênero, e prestarem esclarecimentos científicos sobre sexualidade, estarão descumprindo a Lei.
Em audiência pública realizada recentemente pela OAB/TO, o debate com educadores, juristas, agentes políticos, e, sobretudo, cidadãos e cidadãs, restou patente a necessidade de inclusão e respeito às minorias mediante a iluminação que traz o conhecimento, causa legítima que encontra amparo científico bem delineado e robusto, e que não deve ser refutada por convicções subjetivas, ou crenças religiosas.
Aliás, imperioso anotar que a nossa Constituição, que assegura um Estado laico, prescreve que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”.
Portanto, a democracia que precisamos exige que a educação não seja cerceada por convicções meramente pessoais, permitindo que o debate sobre gênero e sexualidade seja o mais amplo e qualificado possível, no compasso dos direitos fundamentais e sociais que devem alcançar a todos e a todas, indistintamente.
Célio Henrique Magalhães Rocha é advogado, graduado pela PUC/GO, especialista em Direito Público e Civil, e secretário-geral da OAB/TO.
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