Cultura do Estupro? Onde?

Crédito: Foto: Thinkstock

Mais uma semana de horrores. Sim, o estômago embrulha quando leio matérias de estupro e principalmente quando envolvem vulneráveis. Acho que esse mal-estar deve ser comum para várias pessoas, uma ânsia de vômito misturada com impotência. Impotência de não conseguir parar uma violência tão doentia e muitas vezes tão aceita pela nossa sociedade. Comecei a semana lendo que em Manaus uma criança de 1 ano e 4 meses sofreu estupro, sendo suspeito o padrasto da criança. Agora no Tocantins um professor é acusado de estupro de uma criança de 5 anos, ambos deveriam proteger a criança e não violentar. E me pergunto o que podemos fazer diante disso?

 

Mais frustrante ainda é saber que muitos culpam a vítima. "Será que o menino de menos de 2 anos tava pelado? Será que a menina de 5 tava de roupa provocativa? Ah se tava, tava procurando né?!". Isso me revolta ainda mais.

 

E tem aqueles que acham que não há cultura do estupro, há o crime de estupro e pronto.

 

Então mesmo com as tragédias acima, quero relatar outra história triste, baseada em fatos reais, contada por uma amiga médica.

 

Lógico que os nomes não serão divulgados por motivos óbvios de privacidade.

 

Essa amiga médica relata que foi trabalhar nesses interiores do Brasil. E um dia apareceu uma menina, que ela considerou "judiada, mas bonitinha", grávida e com uma ordem judicial de laqueadura. Sua história é a seguinte: a menina ia fazer 18 anos e já tinha tido 3 filhos, todos foram para adoção, sabe por que? Porque ela nasceu numa família muito pobre e tinha  problemas mentais. A família não tinha condições de cuidar e logo a abandou à própria sorte. Sorte essa que não veio, pois a menina cresceu na rua, às vezes era internada, mas nunca obteve o tratamento devido. Era mais uma "retardada" na rua. Daí veio a gravidez por estupro (crime), homens se  utilizavam dela e tudo bem, até ela aparecer grávida. E então gerou um processo judicial, pois tinha que resolver o que fazer com essa criança que ia nascer. Depois de três gestações originadas por estupro o juiz achou uma solução: "vamos ordenar a laqueadura dessa menina/mulher. Assim ela não terá mais filhos que não pode cuidar e não trará mais problemas para o judiciário". 

 

Pronto, tudo resolvido.

 

Esse  juiz, juntamente com todo aparato estatal, preferiu uma aplicação e condenação fácil para uma sociedade em geral, afinal ela está na rua, é "retardada", não tem ninguém por ela. Ela não tendo filhos não incomoda o Estado, não incomoda ninguém. E quanto aos estupradores? Ah, são homens se aproveitando de uma menina de rua, isso não é certo, mas deixa pra lá, né?! Investigar para punir os criminosos? Não, dá muito trabalho. Já temos tantas coisas para resolver. Agora está tranquilo, ela não poderá ter mais filhos (que cultura é essa?).

 

Agora EU faço as perguntas:

 

E se essa menina encontrasse alguém que cuidasse dela? 

 

E se essa menina fizesse um tratamento e pudesse ter uma vida “normal”?

 

E se essa menina, vivendo "normal", quisesse casar e ter filhos, conscientemente?

 

E se essa menina fosse violentada até a morte?

 

Pelo visto o "se" mais provável é o último. Ela já foi condenada.

 

E essa é mais uma história triste sobre a tal "cultura do estupro" que muitos acreditam não existir.

 

Há alguma dúvida? 

 

Gina Geipel é formada em Comunicação Social pela UFT, pós-graduada em Gestão da Comunicação nas Organizações pela Católica do Tocantins, em Ciências Criminais pela UFT, e funcionária pública lotada em Palmas. Atualmente não reside na Capital, mas está sempre informada sobre os acontecimentos, pois retornará  em breve para a cidade.

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