De FHC a Brumadinho: uma reflexão sobre as privatizações

Crédito: Fernando Moreno

O rompimento das barragens de Mariana e, mais recentemente, de Brumadinho reaviva as discussões sobre privatizações. Há quem defenda que ao tempo em que eram estatais, empresas como a Vale, não amargavam escândalos como os atuais e há também quem afirme que ao Estado cabe cuidar de saúde, educação e segurança, deixando à iniciativa privada a exploração integral da atividade econômica. Decerto que os alinhados à uma ou outra corrente tendem a concordar que as concessões iniciadas no governo FHC e perpetradas e mantidas nos governos seguintes não apresentaram o grau de eficiência, eficácia e efetividade que eram delas esperado.

 

Como é próprio de um contrato de concessão, o Poder Público repassa à iniciativa privada o direito de exploração econômica de um bem público em troca de uma remuneração/indenização pelo tempo de duração da vigência dessa avença. É próprio ainda dessa entabulação o estabelecimento de um planejamento não só de manutenção como de ampliação do serviço de acordo com metas regidas pelo interesse de desenvolvimento definido pelo Poder Concedente, pelo Estado, a quem cabe controlar e exigir o cumprimento dessas obrigações. Ocorre que as agências reguladoras, detentoras de grande parte do poder regulatório dos setores econômicos mostram-se incompetentes ao exercício de suas missões, sobretudo porque uma das justificativas para suas criações, a preponderância técnica das decisões, sucumbiu ao longo dos tempos ao interesse político, aos interesses pessoais e privados, à corrupção.

 

Não há compromisso estatal com o planejamento estabelecido contratualmente, com os benefícios aguardados pela população, com o desenvolvimento de setores. Como se fosse o suficiente, o Estado se satisfaz com o repasse à iniciativa privada do custeio da manutenção da coisa pública, não acompanha, não exige, negligencia o seu papel de defender o interesse público.

 

Passados 20 anos das primeiras privatizações são raríssimos os exemplos de aplicação das sanções de perda da concessão. Ao contrário, o que se vê é a renovação de muitas delas a despeito da falta de assiduidade de seus beneficiários.

 

Exemplos são muitos, como a concessão da malha ferroviária, que diferente do planejado, reduziu sua abrangência, deixando em situação de abandono uma boa parte dela. As ferrovias, em estado precário, só transportam minério e soja, só funcionam nos trechos lucrativos, não existindo investimento relevante em contrapartida para o aumento do transporte de passageiros, o que seria importantíssimo ao desenvolvimento dos interiores desse País de dimensões continentais. E esse é só um dos inúmeros casos em que o Estado se afastou da gestão da coisa pública e abandonou o planejamento de desenvolvimento.

 

Esperamos que o fracasso atestado com o desastre de Mariana e renovado em Brumadinho, em que pese a sua preponderância humana em decorrência da degradação do meio ambiente e das vidas perdidas, sirva para uma ampla discussão do dever estatal de planejar o desenvolvimento e garantir verdadeiramente a supremacia do interesse público sobre o privado seja através de concessões em que prepondere a diretriz técnica, seja através do exercício pelo próprio Estado das atividades indispensáveis ao avanço do nosso País.

 

Marcus Senna Calumby é advogado, secretário Geral da Comissão Anticorrupção e de Controle de Gastos Públicos da OAB/RJ e ex-subsecretário de Saúde do Tocantins.

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