Decreto restringe dedução de materiais no ISS e afronta Princípio da Legalidade

O Decreto Municipal nº 2.787, de 20/10/2025, do município de Palmas, promoveu uma alteração no Regulamento do Código Tributário Municipal (Decreto nº 1.667/2018) que merece atenção da construção civil

Maurício Evonei, advogado
Descrição: Maurício Evonei, advogado Crédito: Divulgação

O Município de Palmas/TO, por meio do Decreto Municipal nº 2.787, de 20 de outubro de 2025, promoveu uma alteração no Regulamento do Código Tributário Municipal (Decreto nº 1.667/2018) que merece atenção imediata do setor da construção civil e de todo o universo jurídico.

 

 

O ato executivo visa restringir drasticamente as deduções de materiais da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) nos serviços de construção civil (subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços). Embora a Prefeitura justifique a mudança como um alinhamento necessário à "jurisprudência pacificada" dos tribunais superiores, entendo que o Decreto incorre em grave vício de ilegalidade, pois extrapola o poder regulamentar e viola o fundamental princípio da legalidade tributária.

 

 

O Pretexto Jurisprudencial e a Nova Restrição

O Decreto 2.787/2025 baseia-se na necessidade de adequar o Regulamento à orientação firmada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 603.497/MG (Tema 247 da Repercussão Geral) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

 

O texto municipal inovador, Art. 126, § 1º, estabelece que materiais adquiridos de terceiros ou produzidos pelo próprio prestador no canteiro de obras compõem integralmente a base de cálculo do ISS. Dessa forma, a exclusão da base de cálculo fica restrita aos materiais fornecidos pelo prestador em circunstâncias que os caracterizem como mercadorias sujeitas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

 

 

Essa restrição espelha o entendimento que prevalece no STJ, segundo o qual a dedução só é permitida se os materiais forem produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. O STJ entende que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir o valor dos materiais empregados, exceto na hipótese específica de mercadorias produzidas fora e submetidas ao ICMS.

 

A Ilegalidade: Majoração por Decreto

O cerne da controvérsia reside no fato de que o Município utilizou um Decreto — um ato administrativo infralegal — para modificar a substância da obrigação tributária principal, o que, sob a Constituição Federal (CF/88) e o Código Tributário Nacional (CTN), é vedado.

 

 

A Constituição Federal veda a exigência ou o aumento de tributo sem lei que o estabeleça (Art. 150, I, CF). O CTN é claro ao dispor que somente a lei pode fixar a base de cálculo do tributo ou promover sua majoração (Art. 97, II e IV, CTN).

 

 

Mais relevante ainda, o CTN expressamente equipara à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso (§ 1º do Art. 97, CTN).

 

 

No cenário de Palmas, a Lei Complementar Municipal nº 285/2013 (CTM/Palmas), em seu Art. 54, I, estabelece de forma mais ampla que "Não se incluem na base de cálculo do imposto: I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos subitens 7.02 e 7.05".

 

 

Ao criar novos e restritivos critérios ("adquiridos de terceiros" e "produzidos no canteiro de obras" devem compor a base), o Decreto 2.787/2025 restringe o alcance da dedução prevista na lei municipal, o que, na prática, amplia a base de cálculo do ISS e torna o tributo mais oneroso, violando diretamente o princípio da legalidade.

 

 

O STF Apenas Recepcionou a Regra, Não o Alcance Restritivo

A despeito da justificativa da Prefeitura em seguir o STF (Tema 247), é crucial esclarecer o verdadeiro alcance dessa decisão. O STF, no julgamento do RE 603.497/MG, apenas reafirmou a constitucionalidade da regra que permite a dedução de materiais (recepção do art. 9º, § 2º, do DL 406/1968).

 

 

Contudo, o Plenário do STF foi explícito ao afirmar que não estabeleceu a interpretação sobre o alcance específico do dispositivo nem analisou sua subsistência frente à LC 116/2003, pois estas são tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de matéria infraconstitucional. O STF, portanto, apenas reconheceu que a exegese restritiva do STJ não é ofensiva à Constituição, mas não ordenou aos municípios que implementassem essa interpretação por decreto.

 

 

Assim, mesmo que o Município busque se alinhar à interpretação mais rigorosa do STJ, essa mudança deve ser veiculada por Lei em Sentido Estrito. Precedentes judiciais, por mais relevantes que sejam, não revogam leis municipais que ainda asseguram a dedução de forma mais ampla.

 

 

Risco Imediato e Violação à Anterioridade

A entrada em vigor imediata do Decreto expõe os contribuintes a um risco iminente de autuações e glosas de deduções, desequilibrando os contratos de construção civil precificados sob a égide da legislação anterior.

 

 

Caso a restrição promovida pelo Decreto fosse considerada uma majoração válida (o que já seria um equívoco), o aumento na carga tributária só poderia ter efeito após a observância dos princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal (noventena), conforme o Art. 150, III, "b" e "c", da CF/88.

 

 

Em resumo, o Decreto 2.787/2025 criou, por meio de ato infralegal, uma nova e mais onerosa regra de tributação, em clara ofensa ao Art. 150, I, da Constituição Federal, e ao Art. 97, § 1º, do Código Tributário Nacional. A medida impõe uma restrição que compete apenas ao Poder Legislativo municipal, tornando-se, assim, passível de contestação judicial.

 

 

Maurício Ivonei da Rosa — Advogado empresarial e tributário (OAB/SC e OAB/TO).
Especialista em Direito Tributário pelo IBET, *consultoria e contencioso tributário para empresas e municípios: recuperação de créditos, planejamento societário/sucessório e adequação à reforma tributária.
Experiência em *ISS, ITBI, ICMS, ITCMD, * e governança fiscal, liderando estratégias de compliance e eficiência tributária.

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