Recentemente me deparei com um líder religioso, que vou preservar aqui em qual igreja congrega, defendendo com unhas e dentes o investimento de dinheiro público em eventos como o Capital da Fé ou a Marcha para Jesus, ainda que haja vedação constitucional para determinados tipos de convênios, como forma de preservação do princípio do Estado laico. Esse mesmo líder religioso atacou com veemência que a prefeitura dê qualquer tipo de apoio à Parada do Orgulho LGBT. Pois bem, como sei que esse pensamento é compartilhado por muitos resolvi me manifestar sobre ele.
Em minha opinião qualquer gestor público deve ver as Paradas LGBT, que se realizam em várias cidades brasileiras, com o mesmo olhar das romarias católicas, como as de Belém, Aparecida do Norte, Trindade, Juazeiro do Norte ou Natividade. O mesmo eu penso das Marchas para Jesus promovidas por diversas denominações evangélicas.
Primeiro é preciso que o gestor público tenha o olhar da pluralidade, de quem foi eleito para governar para todos e não para uma parcela. Segundo com o olhar da movimentação econômica que essas manifestações provocam em cada município em que se realizam.
A Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, por exemplo, é o evento que atrai mais turistas à cidade e, ao se considerar todo o país, só fica atrás do Carnaval do Rio, e isso no que tange aos turistas internacionais. A edição de 2011 foi a que os organizadores estimaram o maior número de participantes: quatro milhões de pessoas. Ela gera uma ocupação de quase 90% das unidades hoteleiras, lota restaurantes, lojas, shoppings, bares e casas noturnas, e gera emprego e renda temporária para milhares de ambulantes.
A festa do Círio de Nazaré em Belém, fora a movimentação interna dos fiéis paraenses que lotaram as ruas em 2015, levou para a cidade aproximadamente 85 mil turistas. Eles deixaram no estado mais de US$ 30 milhões. Isso pra ficar em apenas uma festa católica, das inúmeras que se realizam Brasil afora.
A Marcha para Jesus do ano passado reuniu mais de 300 mil pessoas em São Paulo e também oxigenou a economia da cidade, como faz em outras capitais. Aqui no Tocantins o carnaval Gospel, que deram o nome de Capital da Fé, visto de forma estanque, é um sucesso enquanto política pública para movimentar a economia e segurar pessoas na cidade no período carnavalesco, ainda que discrimine outras vertentes culturais locais, e abandone o conceito de pluralidade (assunto que merece outro artigo).
Então, o poder público tem e deve apoiar qualquer manifestação popular que efetivamente reflita a diversidade do tecido social que baliza a nossa convivência em comunidade e que possa movimentar a economia, observando, claro, as vedações constitucionais. Temos que superar o tempo do obscurantismo e da intolerância, querendo analisar o papel do Estado a partir de um prisma moral ou religioso, que nos remete aos tempos medievais.
Apregoar um conceito de verdade absoluta e de padrões decididos por alguns para implementação como modelo para todos só gera, historicamente, governos totalitários, ditatoriais e sanguinários como os do tempo do fascismo, do nazismo ou a mais recente excrescência chamada de Estado Islâmico.
Aos que fazem questão de o tempo todo lembrar sua fé cristã eu pediria somente um pouco mais de tolerância. Aliás, de tolerância não, até porque o ato de "tolerar" traz em si um sentimento de indulgência por demais negativo. Um pouco mais de espírito fraterno, me parece mais adequado. Esqueçam o Deus vingativo, que pune, que mata, que envia pragas, que subjuga, presente na tradição judaica do Velho Testamento. Reconciliam-se com o Deus do Novo Testamento, o Deus que se fez homem em Jesus e que pregou uma Nova Aliança. O Deus do perdão, o Deus do acolhimento, o Deus da fraternidade, o Deus da não violência, o Deus misericordioso. O Deus que é, essencialmente, amor.
E se sobrar um tempinho depois dessa reflexão parem e leiam as palavras do Papa Francisco em seu texto intitulado "A alegria do amor" (“Amoris laetitia”). São palavras que estão longe de ser uma panaceia para todos os males, e terá lá seus pontos positivos e negativos a depender das concepções que cada um traz consigo, mas acreditem: elas são capazes de abrir muitos olhos de quem teima em não querer ver.
Melck Aquino é jornalista, poeta, produtor cultural e consultor político.
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