A aprovação da lei que autoriza a concessão e demais espécies de parcerias público-privadas das unidades de conservação do Estado do Tocantins e áreas adjacentes é uma tentativa de sequestro do patrimônio do povo tocantinense, perpetrada pelo Governo do Estado e por uma maioria parlamentar do Poder Legislativo estadual.
Para melhor compreendermos a abrangência e o que está por trás da aprovação desta lei, vamos alinhar, a seguir, alguns fatos que nos chamaram atenção:
- Primeiro: o processo de “concessão” das unidades de conservação e parques para a iniciativa privada, leia-se grandes grupos econômicos, não é um projeto que comece e ou termine no Tocantins. Ele é concatenado pela sanha privatista e de supressão de direitos desencadeada pelo Governo Lesa Pátria de Bolsonaro. É parte da política econômica desastrosa conduzida pelo ministro Paulo Guedes, conhecido como “Posto Ipiranga”. O processo está sendo conduzido pelo BNDES que, em conjunto com os grandes grupos econômicos, iniciou a tomada das unidades de conservação de responsabilidade do Governo Federal. Mas, não se deram por satisfeitos e resolveram fortalecer e alimentar sua ganância, também na expropriação das unidades de conservação estaduais. E, como é a práxis desses governos, o BNDES só se ateve a aqueles ativos que têm o melhor e maior potencial de rentabilidade. No caso do Tocantins, o Jalapão e o Cantão. O projeto real tem como meta a privatização de 100 unidades de conservação até 2023, em todo o brasil, como pode ser visto neste endereço com mais detalhes a comprovação.
- Segundo: é enganosa a narrativa, própria dos neoliberais, de que o Estado não tem as condições de melhorar a qualidade do trade turístico do Brasil, o que se repete nos Estados e que, por isso, é preciso entregar para a iniciativa privada. Neste caso, o BNDES – banco público – entra para gerir e garantir sucesso dos interesses gananciosos dos grandes grupos econômicos, que vislumbram um grande crescimento do turismo ecológico e de aventura no mundo todo. Para deter o controle desse processo, o BNDES se apresenta para garantir suporte as ações de desestatização de serviços de visitação, inclusive financiando. Até o momento conseguiram entabular a discussão de 26 das 100 áreas pretendidas em seis Estados: Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Tocantins. No entanto, nos outros Estados as coisas não andaram, a toque caixa, como no Tocantins. Nos outros Estados se definiu por uma fase de estudos preliminares com o envolvimento direto das comunidades locais e do entorno como é o caso da Bahia. Além do mais, nesses outros Estados, a discussão está girando em torno das áreas que estão na relação propostas pelo BNDES e que e que são consideradas de grande potencial retorno para os investimentos;
- Terceiro: Vale perguntar por qual motivo no Tocantins, e só no Tocantins, o Estado, na calada da noite e numa rapidez surpreendente, aprova uma Lei e ainda inclui mais duas Unidades de Conservação que não estão na lista do BNDES, exatamente por não serem consideradas de grande potencial de rentabilidade para merecer investimentos? Estamos falando da Unidade de Conservação da Serra do Lajeado e do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas;
- Quarto: ponto que consideramos se não o mais grave, pelo menos de grande preocupação. A referida lei diz que: “as parcerias previstas nesse artigo poderão abranger em seu objetivo a concessão de áreas adjacentes às das respectivas Unidades de Conservação de titularidade estadual, desde que haja cessão de posse formalizada e que permita a sucessão”. Qual o significado e a dimensão da redação desta Lei, sobretudo, no parágrafo que trata das adjacências? Esse parágrafo poderá abrir espaço para a regularização da grilagem e ou do repasse de terras públicas sabe-se lá para quem.
As Unidades de Conservação da Serra do Lajeado e do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas não irá encantar nenhum investidor, pois não apresentam possibilidade de retorno imediato. Por isso, nem mesmo constam na lista do BNDES. Ou seja, a que e a quem serve?
Vale perguntar quais interesses moveram o Poder Legislativo para ter legislado sobre as adjacências às Unidade de Conservação sem nem mesmo estabelecer qual o limite destas. Se olharmos o conjunto da obra visualizaremos um mapa no mínimo curioso.
Vejamos, se estendermos uma linha que ligue o Lajeado até Filadélfia e de Filadélfia pegando o contorno da divisa do Estado até o município de São Felix do Tocantins e de São Felix ligar de volta ao Lajeado, teremos criado um núcleo territorial onde está localizada uma grande concentração de supressão da vegetação natural, para abrir espaço a produção de soja. Mas o importante a ser observado é que nesse núcleo territorial também está uma área muito considerável de terras devolutas, que significa dizer de titularidade estadual. Situação similar, também, deve ser observada com relação ao Cantão e suas adjacências, esse é outro núcleo territorial com características muito próximas do anterior, senão na questão ambiental, mas nas questões de ordem político-econômicas e também na pauta das concessões, seja do parque seja das terras devolutas.
Feitas essas considerações, queremos chamar atenção de que o interesse maior do atual Governo pode estar focado nas concessões de terras públicas, com a possibilidade expressa de cessão de áreas adjacentes. Nos parece então que a inclusão das outras duas Unidades de Conservação que não possuem grande potencial para investimentos no turismo, se colocam mesmo é como suporte e justificativa para o exercício das concessões de áreas públicas das tais “adjacências”. Nesse sentido, pode estar a caminho um expressivo crime de lesa patrimônio público, a céu aberto sob manto de legalidade desta Lei. Então, enquanto os olhos e os gritos estarão focadas no Jalapão eles poderão, sem que percebamos, estar fazendo a distribuição das terras. Ou seja, poderão fazer o chamado “para passar a boiada”. Então compreendemos que o segundo parágrafo da Lei nº3816/2021 é uma armadilha, para cobertura legal para a grilagem e a negociata de terras públicas em nosso estado.
Mas então, o que se podemos fazer, uma vez que, o Poder Legislativo já abriu a porteira para dar passagem a “boiada”? Acreditamos, que todo esse processo poderá ser barrado se articularmos além das entidades ligadas ao turismo, incluindo os movimentos sociais do campo já que esta luta também é deles. Agindo de forma articulada com todos os outros setores interessados e já envolvidos. Ou seja, é preciso que se abra a possibilidade de uma luta conjunta com as famílias do trade turístico do Jalapão de economia de base familiar, dos pequenos empresários que trabalham com suas operadoras de turismo e dos agricultores familiares e assentados. É importante que percebamos que isso não é uma luta isolada, o inimigo é o mesmo, é o atual Governo e o grande capital com sua ganância excludente, concentradora e predatória da vida.
Observemos que a narrativa é mesma das Reforma Trabalhista: precisamos fazê-la para gerar novos empregos. Os empregos não vieram, muito pelo contrário, o que ocorreu foi precarização dos empregos e das condições de trabalho. Claro está como a luz do dia que o que ocorrerá no Jalapão, por exemplo, é que as iniciativas empreendedoras atuais serão suprimidas e, esses, hoje, pequenos empresários/familiares, passarão por necessidade, a ser trabalhadores precarizados dos grandes que ali se instalarão.
Neste momento, não há espaços para ingenuidade e muito menos para o chororô. O que precisamos fazer junto com as comunidades tradicionais e originárias ali localizadas e as mais de trezentas pequenas empresas que ali atuam, é irmos para ofensiva, se opondo a iniciativa truculenta dos Poderes Executivo e Legislativo com a Lei de concessões, trabalhando em três frentes: a primeira é promoção de uma grande mobilização envolvendo além dos atores, aqui já citados, as autoridades locais e a sociedade em geral contra a ação do governo; a segunda, é uma ação de sensibilização do Poder Judiciário com apresentação de ações de contestação da lei; e, a terceira, é a apresentação de um projeto de desenvolvimento dos trades turísticos do Cantão e Jalapão que priorize o turismo de base comunitária; desenvolva ações articuladas de incentivo, apoio e fomentos às cadeias produtiva e de serviços ali existentes; melhore a infraestrutura logística e acolhimento; e, desenvolva uma forte e sistemática campanha de promoção desses atrativos a nível nacional e internacional, buscando atrair mais visitantes.
O que estamos tentando é ajudar na compreensão da importância do Jalapão e do Cantão, do imenso capital social e das riquezas materiais e imateriais ali existentes, que podem e devem ser aproveitadas como vetores para melhoria das condições de vida daqueles que ali vivem e trabalham e da sociedade em geral, e que, por isso, devemos envidar todos os esforços para impedir que nossas riquezas sejam entregues a exploradores sedentos pelo lucro e pouco preocupados com a diversidade naturais e sociais que essas ambiências detêm.
Vamos à luta.
Donizeti Nogueira
1º Suplente de Senador, administrador, especialista em Gestão Estratégica de Políticas Pública s.FPA/ UNICAMP, Donizeti é natural de Prata (MG), mas construiu sua militância política no Tocantins.
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