Denominamos “carinhosamente” a Lei de Improbidade Administrativa de “LIA”. Assim chamávamos a Lei nº 8429/1992 e assim continuamos, mesmo após as significativas alterações trazidas pela Lei nº 14230/2021.
Como sabido, tudo que é novo assusta. Mas como sou uma otimista irreversível, tecerei alguns comentários sobre as principais alterações na LIA, sem procurar demonizá-las ou enaltecê-las. Mesmo porque só o tempo e, principalmente, a sociedade demonstrarão se o combate aos desmandos administrativos resta natimorto.
A primeira vez que me deparei com a palavra Probo, esta referia-se ao nome de um rapaz conterrâneo. Como nunca tinha ouvido aquele “nome”, corri para o dicionário e vi que significa integridade, honestidade, retidão. Pensei: Taí um pai que deseja acima de tudo que seu filho seja honesto, a começar pelo nome!
Curiosidade à parte, falar em ato ímprobo e sua respectiva responsabilização é falar em ato desonesto, incorreto, desleal, imoral, ilegal. No âmbito da administração pública, o agente é um funcionário público, um servidor, um gestor, ou seja, todo aquele que trabalha com a res/coisa pública. Dirige-se também ao particular, pessoa física ou jurídica, que de alguma forma concorra para a prática de tais atos. Desta forma, todos os envolvidos poderão ser processados e sancionados, independente do vínculo com a Administração Pública.
De logo, a LIA esclarece que se trata de legislação que dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, regulamentando o § 4º do art. 37 da Constituição Federal, qual seja: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em seguida, o legislador estabelece que o ato de improbidade administrativa punível é conduta dolosa tipificada nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA. E adiante explica: Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. Isto quer dizer, que a conduta culposa, aquela praticada sem intenção, mas por imperícia, imprudência ou negligência não pode ser mais punida. Em uma comparação grosseira, seria como se não pudéssemos mais punir o homicídio culposo, verificado, por exemplo, no homicídio de trânsito.
Outra novidade é que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.
Na mesma linha de punir quem efetivamente tenha concorrido para a conduta ímproba, a lei exclui a responsabilidade dos sócios, cotistas, diretores e dos colaboradores de pessoa jurídica de direito privado pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação.
As sanções também não serão imputadas à pessoa jurídica, caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como ato lesivo à administração pública pela Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa.
Adiante, no tocante aos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, se não houver perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento. Além disso, a “mera perda patrimonial” decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade.
As inclusões mencionadas, e outras, demonstram inequívoca intenção do legislador para que a responsabilização seja mais restritiva e ocorra somente em situações específicas. Neste sentido, exige-se que seja comprovada a intenção de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade, demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública, lesividade relevante ao bem jurídico tutelado e finalidade ilícita por parte do agente.
Houve mudança no que se refere ao quantum das sanções, mantendo-se uma gradação um tanto abstrata, quando estabelece suspensão dos direitos políticos pelo período de 12 (doze) anos ou 14 (catorze) anos e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por prazo não superior a 4 (quatro) anos, 12 (doze) anos e 14 (catorze) anos e pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial, ao valor do dano ou até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente.
E ainda, as sanções acima só poderão ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória e, para efeito de contagem do prazo da suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ademais, houve alteração no prazo prescricional para propositura da ação, o qual, agora, é 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.
Verifica-se, assim, que ao contrário do que se quer fazer acreditar, houve redução das sanções e, mais grave ainda, uma aparente incerteza e dificuldade para sua aplicação.
Finalmente, no prazo de 1 (um) ano a partir da data de publicação da novel legislação, compete ao Ministério Público manifestar interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa, ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso.
Essas são algumas das alterações legislativas trazidas sobre o tema, deixando de mencionar as mudanças processuais, eminentemente técnicas.
“E agora, José?” Para além da sensação de solidão, pessimismo, incerteza ou desesperança, fato é que vamos continuar trabalhando preventivamente e repressivamente no combate à improbidade administrativa. Se será mais difícil ou não, só o tempo dirá.
“E agora, José?” Agora, é “marchar”!
Thaís Cairo Souza Lopes
Promotora de Justiça
Titular da 5ª Promotoria de Justiça de Porto Nacional
Coordenadora do NAProm – Núcleo de Apoio às Promotorias de Justiça do MPTO
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