Num cenário de ineficiência do transporte público, que força os cidadãos a se locomover em veículos próprios, a implantação de um sistema de estacionamento rotativo é justificável e até necessária. Serve para impedir que, nas avenidas mais concorridas, os estacionamentos públicos sirvam de “garagem” para quem deseja ter o carro à porta do trabalho. O problema na implantação dos rotativos se dá quando a sua finalidade é desvirtuada. Em vez do uso democrático do espaço público, passa a visar a arrecadação. Este parece ser o caso de Palmas.
Vimos o sistema ser implantado na capital de forma atropelada, a partir de fevereiro de 2015. Pareciam ter pressa para começar a arrecadar, embora não tivessem realizado os investimentos necessários para prestar o serviço de forma eficiente. Isso, talvez também por inexperiência, já que a empresa que está executando o serviço nunca havia atuado na área. Ou, talvez, à finalidade do lucro e à inexperiência, tenham se somado o descaso e a falta de planejamento.
Começaram a cobrar por estacionamentos onde não havia parquímetros ou câmeras de vigilância, sem emitir cupom fiscal pelo pagamento do serviço, sem que houvessem realizado uma campanha explicando aos usuários como o sistema funcionaria e, notadamente, sem capacitar os agentes que iriam operacionalizá-lo. Também não ofertaram ao consumidor a opção de fracionar o tempo pago, forçando a duplicidade de pagamento em algumas situações.
Quase um ano depois de iniciada a cobrança pelo uso dos espaços públicos, vários dos problemas iniciais ainda persistem – sempre em detrimento do consumidor, nunca do prestador do serviço.
Há outras evidências de que o sistema foi implantado visando o lucro. As vagas gratuitas para quem parar o veículo por até 15 minutos nunca foram disponibilizadas, apesar de estarem previstas no edital de licitação para escolha da empresa responsável por operar o sistema. Ora, se a finalidade é garantir a rotatividade, o que justificaria a cobrança de quem permanece estacionado por um tempo tão curto?
TPU
Também não houve pudor quando criaram a Tarifa de Pós-Utilização (TPU), que estaria sendo aplicada ilegalmente pelos funcionários da Blue, segundo apontam alguns juristas. O objetivo do lucro parece ter se sobreposto até à legalidade.
Em ação judicial, o Ministério Público Estadual alerta para o fato de que a Blue tem dificultado o pagamento antecipado dos tickets de estacionamento, ao não dispor de parquímetros e de funcionários suficientes nos estacionamentos. Com isso, a empresa tem a possibilidade de aplicar mais TPUs, cujo valor é 10 vezes superior ao do menor tempo de estacionamento. É a mesma situação de quando os agentes da Blue não dispõem de troco, inviabilizando o pagamento antecipado e impondo a aplicação da TPU.
Lucro
O Ministério Público questiona também o valor cobrado pelo estacionamento. Alega que os custos da empresa para operar o sistema rotativo são baixos. E que, como a prestação de serviços públicos não pode visar o lucro, a tarifa cobrada do consumidor deve ser revista. Aliás, foram requisitados estudos que justificassem o valor da tarifa, tendo por base o custo do serviço. Nenhum documento foi apresentado.
De fato, depois de implantar a pouca estrutura necessária aos rotativos, restará como maior custo para a Blue o pagamento de sua folha de pessoal. Enquanto isso, a arrecadação tende apenas a aumentar, com a previsão de chegar a R$ 95 milhões no prazo de 10 anos – período de vigência do contrato entre a prefeitura e a empresa.
Vale ressaltar, de todo o valor cobrado do consumidor, a empresa Blue reterá 93% nos dois primeiros anos e 90% a partir do terceiro ano. A prefeitura fica apenas com a parte residual da arrecadação.
Aliás, o rotativo parece ser um negócio à prova de crise. Quanto mais ele se alastra e ocupa espaços, menos restam alternativas ao cidadão. É pagar ou pagar. E esses estacionamentos estão se estendendo territorialmente, não só para novos bolsões nas avenidas, mas também para o interior das quadras. No decorrer de 10 anos, poderá chegar a 10 mil vagas – segundo a previsão contratual.
Ou o estacionamento rotativo passa a funcionar claramente em prol do interesse público ou será estabelecido um completo cerco ao cidadão.
Flávio Herculano é jornalista.
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