Há algum tempo todas as nossas forças se fizeram combalidas. O cenário de morte de desesperança carcomia nossa perspectiva. Mas, assim como a chuva no cerrado, de modo lento e contínuo, foi renascendo um fio de esperança. Um fio que resiste, de fato, nunca foi quebrado, mas agora ressurge interligando um conjunto de perspectivas e esperanças, como está escrito no Poema Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto.
Esta noite que está terminando, depois de quase quatro anos, nos deixou tão atordoados, um misto de cansaço, angústias, raivas e torpor vai sendo, continuamente, engolida pela força da manhã que com sua sensibilidade, dissipa as trevas. Uma noite em que todos os nossos pesadelos mais doloridos rondavam a nossa casa, vozes que estavam soterradas pelo tempo voltaram a gritar desvarios.
O assombro era tanto que o horror de nosso passado era evocado aos gritos despudorados. Espíritos da maldade saiam vociferando a defesa da ditadura militar, invasão das cortes judiciais e a liberação de armas. Que noite pavorosa essa que finalmente vai sendo dissipada pelo brilho incessante do sol desta manhã cuja aurora já se avista.
Ainda que, por certo, quando vier o dia, tudo que o horror desta noite produziu vai se mostrar como terra arrasada. Mas é preciso que exista a coragem para que o trabalho de reconstrução jamais permita que um evento tão funesto e nefasto como esta longa noite se repita. O que há de mais terrível em todas as vozes de agouro que rondaram nosso sono nesta longa noite é o estado de pânico e a violência como método.
Por isso, quando surgir o sol, mesmo que melancólico, talvez ainda haja um céu nublado, é preciso que a resistência que está derrotando os abutres continue cantando todas as músicas cujas notas quanto mais altas são tocadas vai extinguindo um a um essas assombrações. A resposta que vai erguer novamente a nossa dignidade tem de ser feita de arte, de poesia, de sensibilidade.
É muito importante que o coração de quem suportou, insone, uma noite tão longa destas, jamais se deixe levar pela revanche. A luz desse novo dia que já podemos avistar será cada vez límpida tanto mais a nossa resistência seja amorosa, corajosa e pujante. Porque a felicidade que agora entranha-se no nosso corpo, a descompressão dos músculos de nossa face, o brilho que ressurge nos nossos olhos, tudo isso é contagiante porque restaura nossa esperança e produz uma sensação de alegria e entusiasmo.
Estamos meu bem por um triz, para que nosso dia seja novamente um dia feliz. Como é desejado esse dia, como é bom sentir que esta noite está terminando. Estamos meu bem por um triz, para o dia nascer feliz.
Por Adriano Castorino
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