Longe dos caches nacionais, artistas tocantinenses amargam no couvert

A cultura do Tocantins busca novo fôlego. Os artistas querem reconhecimento e todos lutam pelo mesmo ideal: Oportunidade!

 

Audiência pública que discutiu a atual situação da cultura do Tocantins ganhou toda a tarde da quinta-feira, 06, e o que foi mais debatido tanto pelos artistas quanto pelos gestores foi o que um dia foi a cultura e o que todos esperavam que ela se tornasse. Muitos falaram, houve lágrimas, broncas, nostalgias e até mesmo discussão em torno do valor da banda ‘Calcinha Preta’, porém, abordagem sobre as políticas públicas voltadas à valorização da cultura ficou em segundo, talvez terceiro plano.

 

Enquanto isso...

 

O Tocantins infelizmente tem a cultura do desrespeito, da falta de valorização da prata da casa. Enquanto shows nacionais acontecem em todos os ‘cantos’ das cidades, em datas comemorativas ou não, com caches absurdos, os cantores da terra continuam lutando para sobreviver com o que recebem em couvert nos bares da cidade. Com pouca ou nenhuma divulgação, quando querem apresentar seus produtos em outros espaços, os guerreiros artistas, sofrem com a falta de incentivo, ausência de público e de valorização do poder público.

 

E quem é o culpado pela falta de valorização?

 

Os artistas ainda buscam respostas para esta indagação. No Tocantins, ainda jovem, mas com elementos artísticos bem diversificados e com profissionais de grande capacidade técnica, não basta ter talento. Se não estiver inserido em algum grupo já consolidado, não consegue nada. Os incentivos são escassos, mal distribuídos e a maior parte, ressalto, vai para os nacionais.

 

Os artistas se acostumaram a ter alguém dizendo quanto valem seus produtos. Gestores oferecendo valores específicos em editais, avaliando sua arte e determinando quanto vale, em quanto tempo deve ser iniciado e finalizado, e o pior, dizem se pagam, quando pagam e porque pagam. Faço referência à editais, um instrumento que deveria ser de valorização, mas que engessa a arte, limita o ilimitado, racionaliza o sonho, materializa o surreal, burocratiza o fazer, saber, pensar...

 

Diversidade?

 

O discurso que tem tomado os palcos, rodas de debate e reuniões de produtores é sobre a diversidade. Um assunto que tomou proporção nos últimos tempos, mas que ainda falta ser analisado mais a fundo, principalmente pelos gestores.

 

Na audiência pública ouvi a conversa de três artistas, sentados em cadeiras de plástico, aos fundos do auditório. Eram, uma cantora gospel, muito popular em seu meio, um professor de hip-hop, que tem uma turma consolidada no Taquari e produz anualmente uma batalha de rappers no Estado, e uma indígena, que mora cerca de 70 km da Capital e não sabe o que é receber incentivos do poder público.

 

Três segmentos, mesma reclamação. Não conseguem ver inclusão nos projetos, editais e incentivos. O gospel, a cultura hip-hop e os indígenas do Estado sofrem a falta de apoio, principalmente o financeiro. A indígena, por exemplo, disse que “morando tão perto de Palmas eu já não recebo ajuda pra melhorar a cultura da minha aldeia, imagina quem mora mais longe”.

 

Ao tratar a diversidade, Melck Aquino [Secretário da Cultura] tem sido contundente ao dizer que todos os fazeres e saberes culturais devem ser valorizados. Ele chegou a visitar municípios com a Caravana da Cultura, que serviu para ouvir os artistas, que por sinal já falaram bastante, já receberam muitas propostas, e até o momento só tem como referencial de realização cultural no Tocantins a contratação de bandas de axé e forró em temporadas de praias e agropecuárias, além da absurda contratação do cantor Rick, para Secretaria Extraordinária de Difusão Cultural, na gestão passada. Um verdadeiro vexame, que não merece sequer análise.

 

Genésio Tocantins levantou um ponto. Paulo Vieira levantou outro ponto. Os artistas se levantaram em Palmas. Parafraseio-os: chamam de cultura fazer shows nacionais, espetáculos teatrais caríssimos, milhão para o filme da Cléo, enquanto isso, temos apenas duas salas de teatro em um estado com 139 municípios, editais são pagos ‘sabe Deus quando’, associações e entidades sofrem para manter seus equipamentos culturais funcionando, e parlamentares continuam destinando suas emendas para shows, rodeios, vaquejadas, temporadas de praias...

 

Nada contra os shows nacionais, mas voltando à Calcinha Preta, o cache para um show da banda, mantém uma escola de música com mais de 30 alunos tocantinenses aperfeiçoando seus saberes, por um ano. Precisamos refletir!

 

Vamos repensar a cultura, vamos acreditar em quem faz ela aqui no Estado. Creio que será muito bom para o Tocantins.

 

 

Rafael Rodrigues

Ator, Produtor Cultural e Jornalista

 

 

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