Lula, uma ideia

Lula em meio à multidão em seu retorno ao sindicato, após 580 dias preso
Descrição: Lula em meio à multidão em seu retorno ao sindicato, após 580 dias preso Crédito: Ricardo Stuckert

Antes de ser levado para a prisão em abril de 2018, o ex-presidente Lula discursou para uma multidão e lapidou a frase “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia”. Uma ideia que está no ar, que se espalha e não pode ser trancafiada em uma cela. Pelo entusiasmo que se vê desde o anúncio de sua soltura, ele estava certo.



Enquanto principal líder da esquerda brasileira, Lula é uma antítese a tudo que se estabeleceu no país após o PT ser retirado do poder com o torto impeachment de 2016. Em especial, uma ideia contrária ao achatamento do salário-mínimo e aos ataques praticados contra os direitos trabalhistas e previdenciários, medidas que impactam mais diretamente a base da pirâmide social. O recorde de brasileiros em condições de miserabilidade, medido pelo IBGE, é parâmetro destas novas políticas de governo.


Lula, enquanto ideia, é, principalmente, a antítese a Jair Bolsonaro: o deputado do baixo clero que, apesar da falta de projetos e da óbvia incapacidade, se tornou presidente de República graças ao sentimento de antipetismo alimentado pela operação Lava Jato. Enquanto o PT era retratado de forma simplória como origem e fonte de toda a corrupção brasileira, Bolsonaro se apresentou como o anti-PT e o anti-Lula. Portanto, o honesto. Quem quis acreditar, acreditou. Claro, as ideias retrógradas e simplórias do candidato também pesaram a seu favor, atraindo a simpatia de uma massa de brasileiros medianos.



Lula, a ideia, a antítese do bolsonarismo, se fortalece entre aqueles que se opõem aos ataques que vêm sendo feitos rotineiramente aos valores democráticos, à educação pública, ao meio ambiente, à ciência, à cultura e aos direitos humanos. Lula, enquanto conceito, é o contraponto ao grupo político que transformou o Palácio do Planalto em palco para declarações patéticas, escatológicas e irresponsáveis, a pessoas que vivem alucinadas por teorias conspiratórias e assombradas pelo fantasma de um regime comunista que nunca existiu no Brasil.



Lula, a ideia, hoje está mais viva e mais forte. Muitos dos que se decepcionaram ao vê-lo vinculado a uma teia de corrupção após o fim dos seus mandatos, hoje reconhecem nele a vítima de uma farsa jurídica, que o impediu de disputar a presidência e o manteve preso por mais de um ano e meio. Uma farsa bem articulada e com toques de sordidez, exposta em detalhes pelo The Intercept e jornais parceiros. Enquanto vítima, Lula foi redimido.



Eu não ousaria afirmar que Lula é inocente, ainda mais sendo notório que o PT, ao assumir o poder, contraiu velhos vícios da política brasileira. Porém, o que se tem, de fato, é: sua vida foi devassada pelos órgãos investigadores. Como não encontraram nada de relevante, manipularam as investigações e o processo, condenando-o e alcançando o objetivo de mudar o rumo das eleições presidenciais de 2018. Hoje, o juiz do seu caso compõe o governo federal e tem como promessa de recompensa principal um cargo vitalício de ministro do STF.

 

Não sei se a grandeza de Lula, personagem político real, corresponde à grandeza de Lula, a ideia. Mas não podemos negar o reconhecimento pelos feitos dos seus governos, principalmente no que se refere à distribuição de renda. Na história do Brasil, talvez Lula encontre paralelo em Getúlio Vargas, que instituiu o salário-mínimo e os direitos mais fundamentais do trabalhador.

 

Lula, a ideia em sua dimensão atual, tem muito da gratidão a um presidente que teve a sensibilidade de olhar para pessoas e regiões com as quais ninguém antes se importava. Mas também tem muito da aflição de uma gente que vê, espantada, o país ser conduzido por uma horda de lunáticos.

 

O mundo girou, o país retroagiu. Para uma multidão, Lula voltou ser o símbolo de esperança, tal qual em 2002, ano de sua primeira eleição vitoriosa.

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