Luto em tempos de covid-19

A ausência de funerais com a Covid-19 altera a forma de lidarmos com o luto.

Acredito que ao falarmos no luto quebramos o tabu que o tema adquiriu ao longo dos anos, como: “falar dele atrai a morte”; “tema depressivo e “assunto de gente triste”. Claro que a abordagem da temática não é comum ainda e, muitas vezes, são mais observados os aspectos mórbidos. Porém, necessariamente, não precisa ser assim.  Podemos falar de luto com leveza, reforçando o que está ao nosso controle, que são as memórias da pessoa que partiu, falar dela, viver (e não sobreviver) com  a ausência dela.

 

A morte não está em nosso poder. Ela virá. Podemos controlar o dia, a hora? Não. Então, quando ela chegar na nossa família, na nossa casa, o que podemos fazer? Chorar é um bom começo. Essa dica pode parecer ridícula, mas tem gente que adia o choro e aí piora, porque não trabalha para aceitar internamente algo que pode provocar desarranjos psíquicos. Mas ai entra os profissionais da psicologia. Reservamos esse detalhe.

 

Ocorre que em tempos de pandemia, a dor da perda de um ser amado, como por si só não fosse suficiente, é dupla. No momento atual, o cenário mudou e, num dos momentos mais tristes para a pessoa que fica, o enlutado tem que enfrentar além da perda, um grandioso sentimento de pesar por não se fazer presente ao funeral e, quando o faz, ainda sente culpa e medo de contaminar-se com o vírus. Tudo isso, agravado pela impacto visual de ver os coveiros paramentados ( e tem que ser assim) para o combate à pandemia. . 

 

No Brasil, tratando-se o Direito Funerário, matéria reservada à competência dos municípios, diversas cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, Curitiba, Maceió e outras, limitaram o acesso aos velórios (no máximo dez pessoas), além de proibirem a abertura da urna funerária. Nestes locais não é permitido um velório que dure mais de duas horas. Esse tempo pode ser até menor de acordo com o Decreto emitido por cada governante.

 

Em razão de tudo isso, muitos cemitérios sugerem e permitem que por meio das redes sociais como o facebook,  a comunicação à distância com os familiares possa ser facilitada, bem como  uma alternativa para apoio aos enlutados.

 

Hoje, o fato de não se poder vivenciá-los pode provocar um grande impacto psicológico nos enlutados. Retomemos o cunho psicológico que esses fatos ou a ausência deles podem nos trazer. É o que afirmam as psicólogas Valeria Tinoco e Gabriella Casellato, do renomado Instituto 4 estações. Segundo elas, a necessidade de despedidas e último adeus é instituída culturalmente e não honrar os mortos pode refletir na vida do indivíduo pós pandemia. Embora ainda não haja muitos estudos sobre isso, é possível considerar fator de risco não participar do funeral e desenvolver um luto mais complicado, porque além da dor da ausência, não existe a concretização dos rituais.  

 

A coordenadora do laboratório de estudos sobre o luto da PUC-SP, Maria Helena Franco, explicou que se não temos como fazer um funeral, no concreto, podemos buscar no simbólico, entendendo que os vínculos permanecem e podemos buscar outras formas de simbolizar aquele luto.

 

Ora, não vou adentrar muito nos efeitos psicológicos porque não sou da área. Entretanto, muitas teorias da área de psicologia referendam um conhecimento social empírico de que a falta do ritual fúnebre,  como assistir a devolução do corpo à terra (enterro ou cremação), é como se não houvesse um ponto final na vida. Algo fica incompleto. 

 

Isso nos mostra a importância da cerimônia de despedida da vida. E, como disse antes, não precisa ser mórbido, tanto que quando vamos relatar sobre o funeral de alguém, é comum frisarmos que “tinha muita gente na igreja”, na missa de corpo presente/ no culto ou no cemitério e que foi “bonito” ou “emocionante”. 

 

Dessa forma, importante frisar que é extremamente difícil, quando a morte e o luto, claro, chegam a nossa casa, ocorre com nossos parentes e amigos. Nesse instante, temos que pensar nessas questões. Luto virtual? Cerimônias fúnebres online? Graças ao avanço da tecnologia, é possível acompanhar o velório de alguém em qualquer lugar do mundo e demonstrar por mensagens ou palavras, em tempo real o lamento pela dor. Antes fazer uma ligação de vídeo ou live num velório, mostrando o ambiente, mostrando o caixão, a urna funerária, era impensável. E se alguém fizesse entraria na categoria “falta de educação e insensibilidade”.

 

Precisamos mudar nossos conceitos. Aceitar o que o mundo e a ciência nos oferecem. Agora o virtual é a possibilidade de proximidade. Neste momento, se alguém pegar o celular num velório e ligar para os primos, amigos, mostrando o ambiente não será recriminado. Por isso, o empreendedor social, fundador do movimento Infinito.etc, Tom Almeida resolveu desenvolver o guia de Rituais de Despedidas Virtuais (rituais.infinito.etc.com) para orientar os enlutados que desejam organizar uma cerimônia virtual para despedida. 

 

Assim, por meio das redes sociais e aplicativos de celular, como  facebook, skype e plataformas como zoom, entre outros, é possível manter a conexão  durante o funeral ou mesmo depois, em cerimônias posteriores com familiares e amigos a fim de homenagear e honrar a memória de quem se foi, unindo todos no ambiente virtual. 

 

Entendo aqui que a nova dinâmica, em nada substitui o toque de um outro humano, mas usando a tecnologia a nosso favor, creio que  seja possível criar algo novo e bastante significativo que ajude a amenizar a dor. Resta-nos usar a criatividade como suporte das redes sociais para auxiliar e homenagear quem amamos, pois, independente da forma de despedida, o que deve prevalecer são as boas lembranças da vida, sempre regadas com muito amor. 

 

Janete Monteiro Gomes - Jornalista/Conselheira de luto- formação em Aveiro/Portugal/Espaço do Luto.

 

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