Mulheres no poder: um incômodo necessário

"Para ser rainha, teria sido preciso ser menos mulher". Assim escreveu Maria Stuart, rainha deposta da Escócia,  em sua última carta, escrita em fevereiro de 1587, antes de ser decapitada por sua prima Elizabeth,  rainha da Inglaterra.

 

Sem dúvida, a frase é reveladora e instigante, à medida que expõe o quanto era e ainda são desiguais as relações de gênero no exercício do poder. Sua frase nos induz a concluir que ela, nos últimos instantes  de sua vida, desejou refazer seu modo de governar, sobretudo diminuindo suas características femininas. O que nos leva a crer que, na sua percepção, talvez tenha lhe faltado uma postura mais masculina diante do trono do povo escocês.

 

A frase de Stuart também nos leva a questionar se o poder é algo próprio dos homens, em virtude de sua condição masculina. Definitivamente,  não. Mas, os dados apontam para a conclusão de que os espaços de poder são ocupados, em sua maioria, pelo sexo masculino, em virtude da cultura machista e patriarcal, que ainda inferioriza e diminui a importância das mulheres na organização social.

 

Pobre das mulheres que, por pura ousadia, se negam a desempenhar um papel secundário na sociedade.  Vejamos a atual situação da Presidenta Dilma, que vem sofrendo todo o tipo de preconceito. Sobre ela ouvimos falar absurdos, palavrões impronunciáveis, posturas que chegam a ser verdadeiros crimes praticados por pessoas que, evidentemente, se incomodam com o simples fato de Dilma ser uma mulher. É compreensível a crítica a seu governo, mas não é compreensível a distribuição de desenhos pornográficos com a imagem da ocupante do cargo eletivo mais importante da República Brasileira.

 

Apesar de serem acontecimentos distantes, podemos  relacionar a frase de Maria Stuart com as ofensas praticadas contra a Presidenta e perceber que há um incomodo com as mulheres nos espaços de poder. A feminista Heleieth Saffioti, socióloga brasileira já falecida, argumenta em seu livro "O Poder do Macho", que este incômodo ocorre  porque a identidade social da mulher e do homem são construídas através de distintos papéis que a sociedade espera ver cumpridos.

 

Esta delimita com precisão os campos em que podem operar a mulher, assim como o homem.  Isto posto, podemos afirmar que os espaços de poder não são culturalmente terrenos para as mulheres e que aquelas que ousam ocupá-los estão sujeitas a passar por situações desrespeitosas. A menos que anulem suas condições de mulheres e passem a adotar uma postura mais masculina.

 

Quem nunca ouviu falar de Margareth Thatcher, a “Dama de Ferro”, Primeira Ministra da Inglaterra durante 11 anos, ou da Chanceler da Alemanha Angela Merkel, que governa aquele país desde 2005 e que o “comanda com pulso firme e com dureza”. Ambas são mulheres, que  no exercício do poder lhes foram atribuídas características que são ditas "próprias dos homens".

 

Aceitar essa concessão social não fortalece a luta por igualdade de gênero. Somos mulheres e temos nossas especificidades que precisam ser respeitadas.  Não podemos aceitar que o correto seja nos travestir de homem para sermos aceitas. O que deve nos definir é a nossa capacidade técnica e política para ocuparmos os espaços de poder, o resto é preconceito. O resto é uma tentativa desleal de diminuir a participação das mulheres na vida pública.

 

À Dilma e a todas as mulheres que sofrem preconceito,  nossa solidariedade e a certeza de que continuaremos lutando para denunciar esses opressores que ofendem as mulheres. À Maria Stuart,  nosso lamento. Infelizmente a história apresenta vários exemplos de mulheres que foram decapitadas,  enforcadas e queimadas pelo simples fato de serem mulheres. Convém destacar que Stuart foi decapitada a mando de outra mulher, o que só reforça que essa não é uma luta entre os sexos, mas contra os valores patriarcais que inferiorizam as mulheres.

 

Às presentes e futuras gerações, fica a responsabilidade de continuar lutando pela construção de uma sociedade mais justa, plural e igualitária para mulheres e homens.  Nesse sentido, o silêncio é nosso adversário, enquanto que o incômodo se faz necessário.  Em outras palavras, mulheres incomodem e não abandonem a luta. Nunca. Jamais.

 

Gleidy Braga Ribeiro é jornalista e secretária de Defesa e Proteção Social do Tocantins.

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