Humildemente ouso parafrasear o livro de memórias do ex-chanceler Mario Gibson Barboza, “Na diplomacia, o traço todo da vida” , onde narra seu amor pelo serviço diplomático, tendo enorme contribuição para a construção de uma sólida cultura diplomática em nosso Brasil.
Mas o que leva um servidor a escrever sobre uma instituição que sequer é membro? Respondo; inúmeros motivos, identificação, amor, realização pessoal em poder prestar auxílio a quem não o conseguiria sem a intervenção da Defensoria dentre outros tantos.
A Defensoria mudou minha vida, em todas as suas facetas, mas principalmente pela mudança pessoal experimentada ao longo de mais de 10 anos servindo ao público através dela, me tornou mais humano, mais sensível a dor do próximo, por isso me sinto na obrigação de escrever o presente texto para que sirva como registro temporal de uma posição pessoal, como alerta aos que trabalham pela diminuição da Defensoria ou aqueles que não têm conhecimento dos ataques sofridos pela Instituição ao longo dos últimos tempos.
Costumo mencionar que a Defensoria é uma espécie de instituição mãe dos necessitados, a última porta de assistência ao cidadão, aquela que jamais pode estar fechada, pois quando as outras entradas do Estado se fecharem, estaremos ali ao lado do cidadão, especialmente os mais vulneráveis, geralmente excluídos do amparo estatal.
Nosso Brasil vive um momento difícil com aumento exponencial da pobreza e da desigualdade social, consequentemente aumento da população potencialmente atendida pelas Defensorias. Aqui vale um adendo para esclarecer que diferentemente do SUS que é universal, a Defensoria atende somente a parcela da população que não tem condição de arcar com os custos de um advogado “particular”, o chamado hipossuficiente.
Ainda assim tendo papel fundamental em nossa sociedade a Defensoria não está imune às investidas que visam limitar sua atuação em prol dos menos favorecidos.
A Defensoria sofre ataques de todas frentes possíveis, mas ainda assim está de pé lutando, nesse momento não para crescer, infelizmente para não desaparecer.
Dito isso em maio do corrente ano o Procurador Geral da República, que também é advogado, tendo Inscrição ativa na Ordem (OAB/DF 33038) de acordo com o site do Cadastro Nacional dos Advogados, ajuizou um total de 23 Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra dispositivos que tratam do chamado Poder de Requisição que os Defensores Públicos possuem a semelhança dos membros do Ministério Público. Foi pedido pelo PGR a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 8º, XVI, 44, X, 56, XVI, 89, X e 128, X, da Lei Complementar 80/1994 e de dispositivos da mesma natureza em 22 Leis Estaduais/Distrital.
Mas qual a razão de tamanha importância dos dispositivos supracitados?
É através deles que os Defensores Públicos requisitam informações junto a entes públicos e privados, quebrando inúmeras barreiras burocráticas e visando reunir o lastro necessário para decidir pelo ajuizamento ou não de uma demanda em favor do assistido.
Com essa ferramenta, se tem acesso a informações sobre vagas em creche, cadastros de moradia, da população privada de liberdade, vagas em hospitais, falta de medicação ou tratamento a pessoas com câncer por exemplo. Solicita-se ainda a cartórios certidões, sem as quais o assistido muitas vezes não poderia ter acesso ao direito que pleiteia.
São inúmeras aplicações da ferramenta legal em questão sempre voltada a equilibrar o jogo processual/extraprocessual em favor de quem muitas vezes não possui condição sequer de pagar uma pela segunda via de um registro de nascimento e faz uso da Defensoria para que a requisite ao Cartório de Registro Civil e possa concretizar por exemplo um acordo de pensão alimentícia.
A ferramenta é fundamental na atuação coletiva, na defesa das minorias tais como pessoas com deficiência e equiparados, comunidade LGBTQIA+.
Os argumentos indicados pelo PGR para justificar a inconstitucionalidade das normas em questão baseiam-se no fato de que os Defensores Públicos “não podem ostentar poderes que representem desequilíbrio na relação processual, sob pena de contrariar os princípios constitucionais da isonomia, do contraditório, do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição”.
Como mencionado, a ferramenta legal visa justamente o contrário, objetiva por o hipossuficiente em condições iguais as do Ministério Público e dos advogados “particulares”.
A advocacia privada jamais reclamou qualquer paridade com a Defensoria Pública, pois essa tem o múnus público de assistência jurídica aos mais necessitados, não tendo individualização de atuação como a advocacia privada possui. Defensoria não escolhe quando ou quem defender.
O STF por inúmeras oportunidades se posicionou no sentido de dissociar a Defensoria da advocacia, seja ao entender que aquela possui prazo em dobro para se manifestar nos atos processuais, sendo que o próprio Ministério Público não possui essa prerrogativa. Temos ainda a exigência de intimação pessoal do Defensor Público para início da contagem do prazo processual, advogados particulares podem ser intimados via diário da justiça.
Ademais a Emenda Constitucional 80/2014 conferiu definitivamente a Defensoria Pública o status diferenciado a advocacia privada, pois o Capítulo IV do Título IV da CRFB/1988 passa a contar com quatro seções distintas e inconfundíveis: Seção I – Ministério Público; Seção II – Advocacia Pública; Seção III – Advocacia; e Seção IV – Defensoria Pública. Não resta dúvida que o legislador na função do Poder Constituinte Reformador quis claramente separar a Defensoria Pública da advocacia privada.
Defensoria Pública é sobretudo uma conquista social e como tal seu enfraquecimento impactará a sociedade de maneira global, especialmente os mais necessitados que poderão perecer em seus direitos sem a ferramenta da requisição.
Soma-se ao cenário, diferentemente do Ministério Público que recentemente bancou uma poderosa campanha midiática contra a tramitação da PEC 05/2021 que visava alterar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), as Defensorias (em sua maioria) possuem orçamentos estrangulados, algumas até deficitário dependendo da boa vontade do gestor em realizar suplementações.
Resta a nós enquanto cidadão nos movimentar e cobrar do restante da sociedade, independente de posição política ou social que se posicione em favor das Defensorias, pois seu enfraquecimento prejudicará não o Defensor ou o Servidor, mas o assistido que depende da ferramenta para acessar um direito que muitas vezes não pode esperar.
Feito isso humildemente conclamo a sociedade brasileira que se posicione sobre o tema em favor da Defensoria, para que possamos um dia voltar a lutar pelo seu crescimento e não contra seu desaparecimento.
Dito isso, finalizo com o questionamento que se tornou marca da Defensoria nos últimos tempos:
A quem interessa enfraquecer a Defensoria no Brasil?
Palmas/TO, 10 de novembro de 2021.
Renan de Oliveira Freitas
Analista Jurídico de Defensoria Pública.
Defensoria Pública do Estado do Tocantins
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