Um novo ano começa, e com ele a comunidade fica esperançosa ao ver novamente o cerrado se esverdear, brotar água nas grotas e assim o medo da estiagem, tão presente ultimamente, esvaecer-se, apesar de ainda restar uma pontinha de receio de que o fantasma da seca venha assombrar novamente, todavia a esperança é que tudo volte ao normal, ao tempo em que se tinha fartura de água, os rebanhos não sofriam e se faltava água na cidade era pela falta de infraestrutura e não pela indisponibilidade do recurso.
Chamamos esse evento, que tem sido recorrente nos últimos anos, referente à indisponibilidade de água de: “Crise Hídrica”, crise pela qual o sertão nordestino passa a anos, anterior à época de Vidas Secas de Graciliano Ramos. Recentemente assolou a Cidade de São Paulo, e neste momento faz de Brasília sua nova vítima, sem citar todas as outras regiões que atualmente sofrem com a tal Crise Hídrica.
No Tocantins diversos municípios, em diferentes regiões, têm sofrido absurdamente com a falta de água. Na zona rural, os rebanhos têm sucumbido e nas cidades falta água regularmente, deixando a vida da população cada vez mais difícil, o trânsito de caminhões pipa tem sido comum nas cidades e na zona rural.
Mas aqui cabe uma reflexão conceitual em relação ao substantivo “crise” da Expressão “Crise Hídrica”. Uma vez que as crises em geral dão-se devido a um processo de alterações que ameaçam uma estrutura macro. No caso específico, a estrutura dos Recursos Hídricos. Tais alterações geram incertezas, uma vez que não se pode determinar com clareza suas consequências e muitas vezes somente é possível as supor, já que essas alterações, se muito profundas, determinam um cenário novo.
Um questionamento. Ainda existe crise Hídrica? Ou já somos parte de um novo cenário hídrico? Especialmente no cerrado, e pontualmente nas regiões de fronteira agrícola em amplo crescimento.
É preciso, com grande urgência, ponderar essa reflexão. Sabendo que não iremos conseguir findar conflitos referentes à disponibilidade de água e seus usos variados, tampouco em fornecer água tratada de qualidade, se não houver água a ser tratada e distribuída. E só é possível fazer esse embate para de fato executar uma mudança se passarmos a enfrentar a situação como um novo cenário dos recursos hídricos.
A dita crise passou, e perdemos a oportunidade de vencê-la quando não nos valemos dos instrumentos corretos, ou nos valemos de acordo com o benefício pontual de certas categorias econômicas que trouxeram um pseudo-desenvolvimento regional. O crescimento econômico é real, mas o desenvolvimento de maneira sustentável não. Prova disso é a situação calamitosa de disponibilidade de água pela qual passamos.
Mesmo que nossa fé nos faça pedir por chuva, e que no próximo ano tenhamos de volta a situação tal qual nossa lembrança insiste em resgatar, temos que ser realistas. Mudamos o cenário dos recursos hídricos, alteramos uma estrutura que parecia forte, mas que era frágil, tornamos nossa vida mais difícil, e precisamos agora assumir que temos uma nova realidade, e trabalhar com ela, para diminuir os efeitos negativos que causa em nossas vidas. Se Vidas Secas, fosse escrito hoje, Baleia, Fabiano, Sinhá Vitória e família, poderiam ser personagens contemporâneos do sudeste tocantinense.
Thiago Valuá é Engenheiro Ambiental, Diretor de Meio Ambiente de Porto Nacional e conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)
Comentários (0)