Recentemente, denúncias de assédio têm ganhado repercussão na mídia nacional. A despeito de os casos divulgados pela imprensa se referirem a altos cargos e lugares que parecem distantes da maioria de nós, estes servem para que reflitamos sobre os danos dessas práticas no nosso ambiente de trabalho. Afinal é relativamente comum, quase corriqueiro mesmo, episódios e práticas geradas por esse inimigo oculto.
As reflexões nascidas das narrativas desses casos nos ajudam a pensar sobre a forma como tratamos e somos tratados pelos nossos colegas de trabalho, chefes e subordinados. Afinal, o assédio é mais comum do que imaginamos, ele só está escondido, disfarçado de brincadeiras, flertes e exigências para o bom desempenho do trabalho.
A chave para entender quando as condutas no ambiente de trabalho são práticas naturais da convivência profissional ou quando estas ultrapassam os limites do aceitável está no conhecimento do que se configura como assédio.
O Conselho Nacional de Justiça na Resolução 351/20 definiu assédio moral como “um processo contínuo e reiterado de condutas abusivas que, independentemente de intencionalidade, atente contra a integridade, identidade e dignidade humana do trabalhador, por meio da degradação das relações socioprofissionais e do ambiente de trabalho, exigência de cumprimento de tarefas desnecessárias ou exorbitantes, discriminação, humilhação, constrangimento, isolamento, exclusão social, difamação ou abalo psicológico.
No mesmo documento, o CNJ definiu assédio sexual como “a conduta de conotação sexual praticada contra a vontade de alguém, sob forma verbal, não verbal ou física, manifestada por palavras, gestos, contatos físicos ou outros meios, com o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador O assédio ocorre sempre sem o consentimento da pessoa assediada e pode acontecer tanto no trabalho remoto como no trabalho presencial”.
Esses dois exemplos de definições nos ajudam a compreender quando uma conduta (ou um padrão de condutas) ultrapassa os limites do comportamento aceitável no trabalho.
Dessa forma, fica mais fácil compreender que as cobranças por resultado/desempenho não podem ultrapassar os limites das exigências do cargo, das possibilidades do empregado e, sobretudo, dos limites impostos pelo dever de respeito e urbanidade na relação profissional. O que exceder esses limites configura assédio moral.
Também fica mais simples compreender que para que se trate de uma “paquera”, um “flerte” entre funcionários (em cargos iguais ou não), deve haver o consentimento expresso de ambos. Qualquer dúvida sobre este, constrangimento, ameaça ou promessa de vantagens configura assédio sexual.
Aliás, informação e consentimento são essenciais para quaisquer relações. Afinal, quando sabemos quais são as expectativas do outro em relação a nossos comportamentos e manifestamos claramente o consentimento ou não com estes criamos relações seguras para todos.
As reflexões sobre o assédio interessam a todas as pessoas, porém é imprescindível registrar que são de especial relevância para as mulheres, sobretudo as indígenas e negras que são as maiores vítimas dessas práticas.
Os casos de assédio são fonte de adoecimento das pessoas e das relações de trabalho e, por isso, sua apuração e adoção de medidas preventivas deve ser prioridade em todos os ambientes de trabalho seja na iniciativa privada, seja no setor público.
Por isso adotar mecanismos de prevenção e apuração de casos de assédio moral e sexual, assim como todas as formas de discriminação e abuso no ambiente de trabalho é dever de todas as instituições.
Fazer uma avaliação diária dos comportamentos e falas no exercício da função laboral é dever de cada um de nós. Somente assim (re)conheceremos esse inimigo oculto interno e externo que gera traumas, dores e danos de difícil reparação.
*Elydia Leda Barros Monteiro é defensora pública, coordenadora em substituição do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher
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