O Oscar e o reflexo exterior de nossos abismos

O nosso espelho ou tela, além de se voltar para o exterior, precisa se voltar para dentro

Juliete de Oliveira
Descrição: Juliete de Oliveira Crédito: Arquivo Pessoal

O Brasil se preparou para o Oscar, embora o cinema continue sendo uma experiência restrita a elites – especificamente, o cinema das salas de cinema dos shoppings, a arte de produção –, o país possui um legado construído ao longo do século XX por meio da criatividade e inventividade de nomes como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, apenas para citar alguns. No entanto, quem no Brasil sabe quem foi Glauber Rocha, além do restrito círculo da produção cinematográfica? 

 

Em uma ocasião, questionei um colega do setor se já havia assistido "Terra em transe", e ele negou. Depois entendi que a receita escandalosa de Glauber ao misturar cinema, literatura e psicanálise não é tão simples quanto parece. Mesmo sem ter experimentado o cinema desde a infância, a literatura me salvou. Não consigo assistir um filme sem compreender suas reverberações sociais e interpretações psicanalistas, independentemente do quão simples seja a trama.

 

Conheci a história de Rubens Paiva ainda muito jovem, ao ler “Feliz ano velho” de Marcelo Rubens Paiva e ao acompanhar as "investigações" do seu desaparecimento nas revistas semanais, em um período em que havia uma demanda por informações sobre os desaparecidos (assassinados) durante a ditadura militar.

 

Morando em uma região historicamente marcada pela repressão mais severa – a região da guerrilha do Araguaia –, e tendo sido moldada pela desesperança de ver a justiça ser feita em relação aos inúmeros casos de violência no sul do Pará, é impossível entrar docilmente em “Ainda Estou Aqui", não transformar o ato de ver o filme em uma experiência bastante simbólica – sociológica, geográfica, política, do nosso passado recente. Impossível não se cobrir de esperanças de que o Brasil finalmente entenda o que representou o regime militar!

 

O nosso espelho ou tela, além de se voltar para o exterior, precisa se voltar para dentro. À educação cabe, além de rever os conteúdos de história do Brasil, incluir a história recente no currículo. Nossas veias continuam abertas, sangrando (ou sendo sangradas?), somos um país socialmente injusto, conservador, racista, feminicida, antidemocrático. O Brasil precisa conhecer o Brasil. 

 

Juliete Oliveira - Escritora, educadora Ambiental, poeta, livre pensadora e mulher

 

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