Já havia me decidido. Não me deixaria ofender por qualquer provocação política, não brigaria, nem nada. Enfim, iria só ser leve, e relevar. Porém, existe uma linha tênue sobre divergência de ideias e valores e a falta de respeito e discriminação. Aguentei de tudo. Ouvi as piores idiotices, desde “invasão bolivariana ao Brasil”, até que “Nordestino é tudo burro mesmo”. Perdoem-me, mas não tenho sangue de barata, nem sou rasa o suficiente pra deixar tudo passar pela superfície e se desfazer.
Então, vamos ao que interessa: A despeito do Brasil ter sido descoberto no território nordestino, mais precisamente em Santa Cruz de Cabrália (BA), sempre quem comandou essa nação, por mais de 500 anos foi gente bem nascida, no esplendor de Portugal. E, na sequencia, no Sul ou Sudeste do Brasil. Quem não é capaz de lembrar-se da famigerada política do Café com Leite, onde ora mandava Minas, ora mandava São Paulo. Depois os gaúchos entraram com sua auto-suficiência e o eixo Sul/Sudeste permaneceu e consolidou-se de forma perversa. Governo de intocáveis.
E dá-lhe mandar riquezas do Brasil pro exterior. Primeiro nosso ouro e diamante. Anos depois, nossa moeda sendo engolida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Tudo com a bênção do Sul/Sudeste mais abastado. Ao Nordestino e ao Nortista restaram o trabalho pesado de construção civil, nas terras do Sul e Sudeste e a miséria.
O Nordestino e o Nortista foi expurgado para lugares frios e sem hospitalidade. Lugares que cultivaram o menosprezo por nossa gente, que criaram barreiras culturais, sociais, econômicas e políticas, que tornaram, principalmente, o Nordeste quase inviável. Houve uma época que mal passávamos de um celeiro humano, de mão de obra barata a ser explorada por nossos irmãos do Sul e Sudeste.
Porém, nada, nem ninguém, em época nenhuma deve ser subestimado e submetido a tanto desrespeito. Pois uma hora a reação vem. Menos ainda, alguém deve ser extremamente provocado. De repente, o nordestino, tão conhecido por sua amabilidade mostrou-se resiliente, capaz de se adaptar e se sobressair em qualquer situação ou lugar, sobrepujando até a pseudo inteligência dos seus algozes.
De repente, o Nordeste mostrou sua superioridade intelectual, numa vocação inegável pras letras, pra economia, pras artes. Trabalhando pesado, ora com enxadas, pás, e outros instrumentos; ora com livros, cadernos e lápis, conquistamos muito. As melhores vagas em escolas e universidades de todo o Brasil. Ocupamos importantes cargos políticos, nos sobressaímos nas ciências exatas e humanas.
Porém, o melhor, é que nunca perdemos o nosso jeito amável, hospitaleiro e respeitoso, nem dentro, nem fora de casa. Podemos estar do outro lado do planeta. Mas temos raízes profundas, fincadas no chão nordestino, que não nos deixam esquecer de onde somos e quem somos. Talvez isso explique nossa resistência. Euclides da Cunha sempre esteve certo. “O Nordestino é Antes de Tudo um Forte”.
Nessa eleição, em que Dilma foi reconduzida ao Palácio do Planalto, ficou muito evidente a raiva latente que o Sul, o Sudeste e o que mais me assustou, grande parte do centro Oeste e Norte guardam pelo Nordeste. Foram tantos posts ofensivos em redes sociais. Fomos chamados de tanta coisa horrível, que poderia ser criminalizada. Mas dessas pessoas é melhor ter pena. Certamente, elas não têm noção da própria ignorância.
Quero aqui só dizer que o Brasil deixou de ser um País de pires na mão, de joelhos ao Capital Internacional, quando um nordestino, cabra macho sim sinhô, teve coragem de dizer basta. Lula, o nosso presidente Luís Inácio Lula da Silva, que consolidou a democracia, fortaleceu os equipamentos públicos, que pela força da lei, puderam investigar, denunciar e punir o próprio governo e seu agentes, quando estes erraram.
Graças a esse homem, que saiu do Pernambuco num caminhão Pau de Arara, hoje somos uma nação respeitada internacionalmente. Estamos entre as oito maiores economias do mundo. Elegemos uma mulher presidente e a reelegemos; criamos e fizemos vigorar leis que defendem as mulheres da violência doméstica. Reduzimos a fome, as desigualdades sociais, amparamos as crianças, e todos os vulneráveis social e economicamente.
A configuração conceitual do Brasil mudou em 12 anos. A geográfica não. Cresci ouvindo dizer que o problema do Nordeste era a questão da cerca e não da seca. Naquela época não entendia, mas hoje sei bem o que é isso. A cerca por muitos e incontáveis anos nos impediu de crescer. Mas essa cerca foi superada.
Por fim, quem elegeu Dilma não foi o Nordeste sozinho. Quem a reconduziu ao assento presidencial foi o Brasil.
Votos para Dilma no Norte e Nordeste: 24.349.003
Votos para Dilma: Sul, Sudeste, Centro-Oeste: 29.875.088
Total: 54.224.091
Só finalizando, só para dizer um pouco do nosso orgulho e de como nos sentimos, vou pedir a licença autoral e poética da Paraibana Elba Ramalho, para usar a música/poesia: “Já pensou o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente?”
Lúcia Georgethe Pinheiro, brasileira e nordestina
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