Por que não comigo? Por que não com você? 

Segundo o Ministério da Saúde, o AVC é a doença que mais causa mortes no Brasil e a segunda no mundo; Além disso, os estudos mais recentes mostram o aumento expressivo de casos entre pessoas jovens

 Sâmia Cayres
Descrição: Sâmia Cayres Crédito: Divulgação

Há uma certa incoerência na humanidade. Estamos vivendo mais, ao mesmo tempo que a parcela jovem da população vem sendo acometida por doenças que eram culturalmente associadas a pessoas de idades mais avançadas. Isso nos leva a crer que estamos vivendo mais, mas não necessariamente melhor.


Segundo o Ministério da Saúde, o Acidente Vascular Cerebral é a doença que mais causa mortes no Brasil e a segunda no mundo.  Além disso, os estudos mais recentes mostram o aumento expressivo de casos entre pessoas jovens.


O que se sabe é que os acidentes vasculares não escolhem hora, raça, cor, classe social, muito menos idade, mas atualmente intrigam pela alta incidência em pessoas com menos de 50 anos. Se acontece a toda hora e com qualquer um, por que não comigo? Por que não com você? 


Com sorte, ao sobreviver a um AVC, a única certeza será de uma assustadora, inesquecível e reflexiva estadia na UTI. Seja como for, as perdas são irreparáveis, mesmo que as sequelas sejam mínimas.


Veja só: há pouco tempo, uma jovem de 30 anos, sem histórico familiar da doença e aparentemente sem fatores de risco foi surpreendida com 2 acidentes vasculares cerebrais em sequência. Por acaso, sobreviveu a eles, mas a lesão cerebral foi tão grave que lhe garantiu um diagnóstico de sobrevida em estado vegetativo.


Esse poderia ser só um caso de estudo dentre tantos outros que pretendem compreender o aumento assustador do número de casos de AVC em jovens, mas é um relato pessoal.


Infelizmente, faço parte das estatísticas.  Felizmente, pertenço ao grupo de sobreviventes ao AVC do Brasil. Posso comemorar meu renascimento, reinventar todos os dias maneiras de me sentir viva após a morte em vida que é estar presa no próprio corpo, mas não desejo a ninguém as dores da reabilitação, tampouco desejo a
incerteza do recomeço após uma lesão cerebral.


Com essa experiência inusitadamente dolorosa, aprendi que o AVC, antes de te colapsar, chega de forma transitória. Ele dá sinais, pedindo gentilmente para parar. Entenda: nosso corpo é generoso, a gente que não é. 


Na minha vez, quando parei, lamentavelmente era tarde demais.  Apesar da ausência dos principais fatores de risco físico, o stress e a ansiedade já eram tão partes da minha rotina que sequer me permiti desacelerar e ouvir meu corpo pedir por descanso e autocuidado. A sequência dos fatos também não me favoreceu. 

 

Antes do colapso fatal, fui e voltei várias vezes do hospital, passei pela avaliação de diversos profissionais e, mesmo tendo sintomas clássicos de AVC, duvidaram que eu pudesse ser vítima desse mal. Até eu mesma duvidei.


A verdade é que, com a demora no diagnóstico, os neurônios perdidos deixaram, além de um buraco-negro no meu cérebro, um buraco na minha alma. Na marra, aprendi a viver um dia de cada vez. Esse é o pré-requisito básico para enfrentar uma jornada longa e aparentemente sem fim de reabilitação neurológica.


Hoje, graças à intensa reabilitação multidisciplinar e à neuroplasticidade que reparou milagrosamente meu cérebro, posso ter uma vida fisicamente normal. 


Quanto ao buraco na alma, esse, acredite, é irreparável. Neste dia mundial de combate ao AVC, tenho a honra e a sorte de ter me recuperado para ser capaz de escrever este texto, dando voz aos que não sobreviveram e também aos que sobreviveram, mas que, de alguma forma, estão marginalizados da sociedade em razão da doença.


Se você chegou até aqui, meu conselho é um pedido para que seja atento, cuide de si e de quem você ama. Não dá para contar com a sorte, a prevenção e o autocuidado é o melhor remédio para viver mais e melhor. A vida tem pressa para ser vivida com qualidade.


Em caso de sintomas de AVC, tais como fraqueza, dormência, formigamento da face ou dos membros, confusão mental, alteração da fala ou compreensão, alteração da visão, do equilíbrio, dores de cabeça ou na nuca de forma intensa, procure ajuda médica com urgência. 


Diagnosticá-lo com a maior rapidez possível é o que vai te salvar. É o que vai salvar quem você ama, além de minimizar os danos catastróficos de uma lesão cerebral.


Saudações de uma sobrevivente que comemora o renascimento,


Lísia Daniella.

 

Lísia Daniella, natural de Brasília-DF e tocantinense de coração, advogada previdenciarista, 35 anos de idade, sobrevivente, escritora, autora do livro “Como Assim AVC?”, palestrante e atleta amadora.

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