Apesar da formação de esquerda, vinda de uma militância que nasceu ainda nas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica no início dos anos 80, e se estendeu depois ao movimento secundarista e estudantil (UFG), eu sempre pertenci a um grupo de uma visão que, ainda hoje, considero avançada em muitos aspectos, mesmo tendo revisto muitas das minhas utopias da juventude.
Trotskista, de um grupo que se opunha de forma radical aos movimentos grevistas que para realizar greves no metrô paulista colocava barricadas nos trilhos, que para parar fábricas trancava portões para que os operários não entrassem, e que para protestar contra aumento no transporte coletivo ou a revisão da meia passagem aos estudantes queimava ônibus, que podia até pertencer a um grupo minoritário, mas que era autêntico.
Militante de “O Trabalho”, uma corrente que militava no cerne do PT com líderes centrados e preparados como Glauco Arbix, José Arbex Jr, Marcus Sokol, Júlio Turra, Josimar Melo, Clara Ant, Antônio Pallocci, Ricardo Miranda, Clayton Avelar, dentre tantos outros, acreditávamos que ou ganhávamos as pessoas no convencimento, no projeto político, no debate franco e aberto, ou algo estava errado.
Para nós, protestar contra o aumento do transporte coletivo, era legítimo, botar fogo em ônibus como faziam outros setores do PT ou os “radicais” (hoje nem tanto) da UJS do PCdoB, cheirava mais a um ato terrorista. Derrubar redes de transmissão de energia, trancar portões de fábrica e bater em operário fura-greve, era mais um ato terrorista, do que uma vitória em prol de uma greve geral que estaria, em tese, edificando as bases de algo novo.
Ainda hoje penso assim. Coloco-me ao lado dos que protestam contra o aumento do transporte coletivo e as péssimas condições que os empresários do setor oferecem aos usuários. Coloco-me ao lado dos que protestam contra a corrupção. Coloco-me ao lado dos que protestam contra o aumento da criminalidade pela ausência completa de uma política de segurança pública efetivamente eficaz por parte dos governos federal e estaduais. E até me permito entender a rebeldia sem causa de alguns jovens pequeno burgueses, que nem bem compreendem porque protestam.
Porém, para fazer jus à minha formação como ser humano, como militante político que um dia fui, e pelas convicções que ainda hoje alimento, permito-me discordar da violência gratuita, da depredação do patrimônio público, da queima de ônibus. E tudo isto do mesmo modo que me revolto contra a truculência da ação policial desmedida, que não guarda diferença com os tempos de regime militar. O cassetete dos governos democraticamente eleitos continuam a doer como na época da ditadura. O gás lacrimogênio das administrações petistas, peemedebistas, tucanas, não ardem menos os olhos do que aquelas dos governadores biônicos da ARENA. As balas de borracha ainda ferem a carne de quem tem a infelicidade de encontrar uma pelo caminho.
A bem da verdade, sem medo das críticas que advenham dessa afirmação, sou daqueles que acho que o PT precisa rever muita coisa se quer ainda ter uma sobrevida como principal partido da cena política nacional. Não é a toa que me desfiliei ainda em 1994. Porém, longe de mim não reconhecer que os avanços conseguidos nas duas administrações de Lula e na metade da administração Dilma são desprezíveis. Ainda que o tucanato tenha nos possibilitado as bases da estabilização da moeda, foi as administrações petistas que permitiram a inclusão social e que conseguiram que a estabilização da economia se traduzisse em mais gente comendo, mais gente estudando, mas gente trabalhando, mais gente com acesso à moradia, mais gente com acesso à terra, etc. Não reconhecer isto é assumir-se ornamentado de um cabresto que impede amplitude de visão.
Mas longe de mim também pensar que os protestos que ocorrem em vários locais do Brasil devem ser tomados como uma “armação”, uma conspiração tucana ou da direita para desestabilizar a presidenta Dilma e até mesmo envergonhá-la internacionalmente, como no caso das vaias na abertura da Copa das Confederações. Até porque acredito que as elites tucanas e de outros bicos menos imponentes não possuem inserção social suficiente para tanto.
Aos que tem medo da “Quinta” que se aproxima, digo que defenderei com unhas e dentes todos aqueles que queiram protestar, contra o que quiserem. Isto faz parte da democracia. Foi por isso que respirei gás lacrimogênio na minha juventude, foi por isso que tomei cassetada, foi por isso que tomei choque, foi por isso que “toquei piano” e respondi inquérito na Polícia Federal.
Mas defenderei também o aparato repressivo que, agindo sem truculência, preservar o patrimônio público, impedir a queima de ônibus e prender baderneiros que se travestem de “revolucionários” de roupas caras, tênis “da hora”, iPhone e viagem marcada pra Disney. Pelo menos assim sinto-me em paz com minha consciência e minhas convicções, e não “vou para galera”, como por ora fazem alguns políticos que bebem na fonte dos partidos de extrema direita, fazem acordos espúrios com os empresários do transporte coletivo, e se apressam em dizer que serão os primeiros a estarem nas manifestações marcadas para a próxima quinta-feira. Poupe-me! Faz tempo que perdi a minha ingenuidade.
Melck Aquino é jornalista, poeta e compositor.
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