No domingo, dia 13, muitas pessoas foram às ruas. Um ato legítimo, é claro. Ainda assim, como o mote da crítica dessas pessoas que foram ao protesto é o fim da corrupção, não posso deixar de comentar os detalhes. O detalhe mais forte é o uso do verde e amarelo. Mas isso por si, não é tudo. Agora, pessoas vestidas de camisas da seleção brasileira de futebol, cuja logomarca é da Confederação Brasileira de Futebol – CBF é um emblema muito significativo.
A seletividade daquilo que se considera CORRUPÇÃO é a marca desses atos. Apenas o Partido dos Trabalhadores é alvo da crítica anticorrupção. Não é coerente que uma pessoa externe sua indignação contra a corrupção vestida sob o manto da CBF. Além disso, há ainda um dado que merece atenção: o patriotismo/nacionalismo de ocasião. É comum a estes manifestantes cantarem o hino nacional como marca de sua crença de que na manifestação deles não há discurso ideológico. É como se o manifesto verde amarelo fosse límpido.
Como atendem a um chamado orquestrado por grupos de mídia e poder econômico, os manifestantes saem às ruas como massa contra aquilo que supostamente é o câncer da sociedade. Nessas marchas, gritam palavras de ordem, fazem odes de louvor ao juiz encarregado do processo, no entanto há um vazio de sentido, de causa, de objetivos. Como podemos perceber isso? Olhando para as vestimentas dos manifestantes. A causa deles é o destino da nação, algo tão imenso que fica quase sagrado ato deles. Eles se manifestam politicamente, mas o fazem como se fossem santos, divinos, impolutos. São manifestantes castos! São manifestantes limpos! São manifestantes seletos! São manifestantes premium!
A maior forma de ser manipulado é achar que se luta pelo destino da nação. O destino da nação, a limpeza moral, a prisão dos corruptos são emblemas de luta de quem não quer mudar nada. Nessas manifestações fica nítida a negação da luta de classe. Todo conservadorismo chega com ares de moralidade, de seriedade, de ética. Os manifestantes defendem a democracia, mas não aceitam o resultado das urnas. Os manifestantes desejam a prisão dos políticos investigados, mas não levantam o mesmo furor contra os políticos que desviaram merenda escolar, em São Paulo, ou os políticos que desviaram dinheiro no Paraná. Ah, estes eram do PSDB, mas isso não conta. Temos de matar a jararaca, diz um cartaz!
Como uma seleção de manifestantes, eles atacam os que deles discordam dizendo que nunca antes na história desse país houve tanta roubalheira. Como uma torcida, é capaz que saibam pouco da história do Brasil, porque para a torcida o que mais vale é o espetáculo. Para isso, contam com a transmissão ao vivo da mídia, porque afinal não basta manifestar-se, é preciso aparecer manifestando. O que importa também é fazer uma selfie com os animadores do espetáculo, por exemplo, Jair Bolsonaro. Ou então exibir um abadá do MOROBLOCO, porque afinal se é espetáculo, tem de ser festa.
Não há futuro para um país, cuja indignação se faça tão seletiva. É uma afronta que o mesmo grupo que foi às ruas não faça o mesmo para que o deputado Eduardo Cunha saia da presidência da Câmara. Além disso, fica muito claro que a classe social dos manifestantes é uma mostra do risco que se corre com a ascensão desse grupo: a) maioria de classe média; b) maioria branca; c) maioria conservadora. A maior parte da população brasileira não é de classe média, nem é branca, nem é conservadora. O Brasil que foi às ruas não é o Brasil dos rincões, não é o Brasil indígena, não é o Brasil ribeirinho, não é o Brasil quilombola, não é o Brasil LGBT, não é o Brasil feminista, não é o Brasil dos terreiros, não é o Brasil do sertão, não é o Brasil das favelas.
A seleção brasileira de manifestantes é uma amostra do risco que se corre quando se incentiva a vingança, quando se incentiva que o adversário vire inimigo e, por isso, tem que morrer. Como é uma seleção, tem de ter um técnico, um regente, e esse papel é exercido pela vaidade de um jovem juiz. Esse juiz agradece ao público, como se sua tarefa de julgar dependesse da aprovação da seleção brasileira de manifestantes. Por isso que é perigoso, porque o bom juízo deve se ater aos autos, somente aos autos. Mas, o herói das manifestações participa de jantar, com João Dória, o candidato a prefeitura de São Paulo, que é do PSDB, mas isso não conta. Moro no país da seleção brasileira de manifestantes. Nesse país o manifestante leva seus dois filhos ao ato, carregados pela babá, que por coincidência da vida é negra. Mas isso não conta.
Adriano Castorino é doutor em Ciências Sociais/ Antropologia, técnico em Assuntos Educacionais e professor da UFT.
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