O esgarçamento e a polarização a que estamos assistindo na política chegou em todas as áreas de nossa sociedade. Os recentes imbróglios em torno da mostra de arte em Porto Alegre, a censura a uma peça teatral por um juiz em São Paulo, a performance do artista nu. O que ocorreu a estes eventos representam o quadro mais agudo dessa nossa crise política. O avanço avassalador do poder político de seguimentos conservadores não só atenta contra o sentido de humanidade que ainda estamos tentando consolidar, como também remonta a nossa sociedade para tempos medonhos.
Teodor Adorno escreveu um texto, Educação após Auschwitz, no qual ele diz que a barbárie precisa ser evitada, todos os dias. Todos os dias temos de renovar as forças para lutarmos contra a barbárie. A base social para a gente lutar contra a barbárie é a política. No exercício político, no fazer da atividade política, reside a possibilidade de a sociedade enfrentar as contradições, como estas que agora nos agoniam.
Por isso, o levante destas forças conservadoras, embora parte dela esteja legitimada por estruturas políticas, é um paradoxo. Ao mesmo tempo que é legítima a manifestação dos grupos sociais, é preciso pensar no teor do que é manifestado. Por exemplo, a derrubada do governo do Partido dos Trabalhadores representou para os conservadores um momento de desmanche das poucas políticas de visibilidade feitas sob este partido. Partiram para cima e criaram um factoide de que a defesa das minorias é coisa de petista, de esquerdista.
Quando os conversadores atacam desta maneira fazem um trabalho que pode reverberar contra eles mesmos. A defesa das minorias não pode ser feita por um gueto de pessoas identificadas com ideias de esquerdas. Defender as minorias é uma defesa do sentido de humanidade. Por isso, quando a obra de arte é atacada como bode expiatório, isso é ataque aos direitos de minorias. O ataque às minorias é o ataque ao sentido de humanidade.
A mentalidade conservadora não é uma excrescência. É louvável que as pessoas, dentro do estado, defendam suas posições. Todavia, defender posições não é o ataque ao sentido de humanidade. O estado não pode pender, com sua força e com sua estrutura, para a defesa de posições conservadoras. O estado tem o dever de defender o sentido de humanidade que por pressuposição é a defesa de toda e qualquer diversidade.
A hipocrisia pode ser uma condição das pessoas, podemos ter uma pessoa como Alexandre Frota a defender valores cristãos e a moral. Mas o estado não pode ser nem o MBL nem Alexandre Frota. Quando o prefeito de São Paulo, por exemplo, faz coro aos brados dos conservadores, ele leva consigo o estado, porque ele fala como prefeito.
O pior do governo deposto não foi a mínima defesa dos direitos das minorias. O governo atual (e sua base apoiadora de viés conservadora) não pode lutar contra estes avanços (repito, mínimos). A sociedade plural e diversa é uma forma de fortalecer o estado. Toda vez que o estado pende para um lado, toda a sociedade perde e vai sofrer o peso da mão do estado, que agindo como estado defende uma bandeira de um grupo social.
A obra de arte não pode ser apenas um conforto estético, ela tem de trazer ao debate as nossas contradições. A nudez para as artes é um conjunto com enorme poder simbólico, por isso não podemos reduzi-la ao critério de entendimento de um grupo social. A nudez é também o espaço das nossas maiores contradições. A crise política que agora vivemos também reflete o esquema moral no qual ainda lidamos com a nudez, porque esta ainda é nossa parte mais hipócrita em nosso sentido de humanidade.
Adriano Castorino é doutor em Ciências Sociais/Antropologia
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