A palavra “cavalheiro” carrega o risco de fazer o leitor pensar apenas em homens. Aqui cabe um reconhecimento de minha ignorância. Na falta de uma palavra adequada que pudesse ser aplicada, simultaneamente, a todas as pessoas, optei por cavalheirismo. Mas minha intenção é que, no contexto em que eu a aplico, a palavra sirva para todos e todas.
O “cavalheiro” é uma figura recorrente e idealizada nas narrativas medievais. Ganha seu contorno mais poético no personagem Dom Quixote, do brilhante Miguel de Cervantes. É alguém nutrido por altos ideais, capaz de enxergar uma beleza singular em tudo e em todos, mesmo quando a realidade é feia e cruel. Mas não é santo, no sentido moderno. É até fanfarrão. Aproveita a vida, aprecia a noite, flerta com amores improváveis. No entanto, é incapaz de diminuir alguém, de lesar alguém em favor de si próprio. Ao contrário, sempre defende, generosamente, as pessoas mais fracas, mais vulneráveis e desprotegidas.
Incapaz de uma palavra odiosa, nem por isso o “cavalheiro” deixa de defender suas convicções. É capaz de enfrentar qualquer adversário, sem desumanizá-lo. E se calhar, passada a contenda, pode até chamar o adversário para dividirem a mesa, num brinde à vida, que é maior e mais bela do que qualquer adversidade.
Nossos tempos carecem de um certo cavalheirismo.
O “cavalheiro” seria incapaz de desviar recursos públicos, pois isso é puro egoísmo. Mas também, não ficaria indiferente, nem calado diante dessa afronta. Tampouco o “cavalheiro” seria capaz de agredir alguém, simplesmente por sua orientação sexual, sua condição cultural ou econômica. Para as pessoas que fazem isso, é certo que o “cavalheiro” saberia o que dizer. Respeitoso, o “cavalheiro” reconheceria a importância de todas as religiões, pois sabe que não há donos da verdade nesse mundo. É possível também que o “cavalheiro” não andaria com seu automóvel, obrigando os outros a ouvirem sua música preferida, tampouco estacionaria na vaga das pessoas com deficiência. Nunca um “cavalheiro” conversaria com outra pessoa, ao mesmo tempo em que digitasse uma mensagem no smartphone. E tantas outras pequenas coisas, esse Dom Quixote de hoje iria fazer.
Esse cavalheirismo é urgente e, talvez, distante. E nada mais próprio para um “cavalheiro” do que alimentar seus sonhos desejando, para todas as pessoas, um mundo melhor.
Flávio Luís Rodrigues Sousa é doutor em Filosofia e Teologia, diretor do Colégio Marista Palmas e membro do Conselho Estadual de Educação do Estado do Tocantins.
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