Dia 28 de junho é comemorado o Dia Internacional do Orgulho Gay, ou “Orgulho LGBQTIA+”. Sem adentrar no tema da sopa das letrinhas, uso o termo clássico Gay. Uma data muito importante. No Tocantins, para essa data, resolvi escrever o presente texto para contar um pouco da nossa história, dessa história escrita a muitas mãos aqui no estado, uma homenagem, na verdade.
Espero que o texto sirva como fonte histórica para muitos jovens gays, jovens trans, jovens lésbicas tocantinenses, que nasceram sob nossa primeira “pride”. Tudo começou em 2003 quando foi realizado a primeira parada do orgulho LGBT de Palmas e Tocantins, organizada pela Associação Grupo Ipê Amarelo Pela Livre Orientação Sexual - GIAMA, primeira ONG fundada em Tocantins para lutar pela livre orientação sexual e direitos gays.
A organização foi fundada em 2002 e encerrou suas atividades em 2013. Fui um dos fundadores e presidente por três mandatos seguidos por outros abnegados militantes, Renilson Cruz, Henrique Ávila. A Casa da Mulher 8 de Março, mais antiga e mais sólida instituição de luta pelo direito das mulheres, presidida pela feminista, educadora popular e mestra em Direitos Humanos, Bernadete Ferreira foi pioneira no estado em tratar da temática, sobretudo de mulheres trans vítimas de violência.
Em 2009 foi criado O Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Este grupo de pesquisa é composto por docentes e discentes da Universidade Federal do Tocantins, cujo o objetivo envolve a disseminação dos Estudos Feministas, especialmente através de ações de pesquisa e extensão, que visem o enfrentamento a dinâmica da violência com base nas hierarquias sexuais, raciais e de gênero, promovendo a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos numa perspectiva laica e democrática. Foi coordenado pela professora do curso de Serviço Social da UFT, Dra. Bruna Irineu.
Seguiu-se mais estudos acadêmicos com a criação do curso de mestrado em educação – PPGE/UFT, coordenado pelos professores Dr. Damião Rocha e Dra. Jocyléia Santana, com a produção de pesquisas voltadas para a temática da diversidade sexual na educação.
Nesse corte histórico importante frisar que a primeira parada trouxe o primeiro beijo gay que foi televisionado e mostrado no ar no dia seguinte nos lares tocantinenses pela TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo. Foi também a parada que teve a festa de encerramento vetada no Parque Cesamar, por ordem da então prefeita Nilmar Ruiz. Um vídeo da parada foi produzido por um estudante da ULBRA que ganhou prêmios. Seguiram-se outras edições. A 16ª edição foi a última, em 2019.
As paradas em todo o país, muito importante, serviram para aglutinar a luta. Seguiram-se diversas vitórias nesse espaço de tempo, sobretudo a partir de 2008 com a realização da primeira conferência nacional LGBT no governo Lula e das que se seguiram. Nesse mesmo ano, em abril, em etapa preparatória para a nacional, foi realizada a primeira conferência estadual LGBT do Tocantins.
Foram vitórias importantes. Um quadro interessante dos avanços consta no informativo “Orgulho LGBT, Lutas e Conquistas” no site oficial LGBT do PSB. Dentre as conquistas alcançadas por pessoas LGBT, temos: a inclusão de companheiros e companheiras em planos de saúde (Agência Nacional de Saúde Suplementar, Diário Oficial da União, 4 de maio de 2010); o casamento civil, após a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); direitos como a adoção de crianças por casais de homoafetivos, sem restrição de idade (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 846.102, STF, 05 de março de 2015). Em dezembro de 2011, a portaria n° 2.836 do Ministério da Saúde instituiu no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT). Em 2013, Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, lançou uma campanha de combate à violência contra travestis e transexuais. O Ministério também anunciou que pessoas podiam usar o nome social no Cartão SUS, com o objetivo de reconhecer a legitimidade da identidade desses grupos e promover o maior acesso à rede pública.
Em setembro de 2016, a Defensoria Pública da União solicitou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que concedesse a Pessoas Trans sem cirurgia o direito de retificar o registro de nascimento. Em outubro de 2016, pela primeira vez, uma Mulher Trans mudou o gênero sem avaliação médica, em São Bernardo do Campo-SP, e sem a necessidade de profissional de saúde ou atestado para se dizer mulher.
A Comissão de Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) publicou, no dia 11 de agosto de 2014, Nota Técnica que dá parecer indicativo da aplicabilidade da Lei nº 11.340/2006 às situações de violência doméstica e familiar, sofridas por transexuais femininas e travestis. Ainda em 2006, o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais (CNPG) aprovou recomendação, para que promotorias de todo o Brasil passassem a aplicar a Lei nº 11.340/2006 às vítimas travestis e transexuais em caso de violência doméstica. Ao completar 10 anos em 2016, a Lei nº 11.340/2006 ficou mais inclusiva. O CNPG aprovou, por unanimidade, uma recomendação para que promotorias de todo o país passem a aplicar as regras da Lei Maria da Penha a travestis e transexuais, vítimas de violência doméstica.
Em alguns estados brasileiros, Decretos/ Portarias determinam a inclusão do Nome Social de travestis e transexuais (masculinos e femininos) e transgêneros em fichas de cadastro, formulários, instrumentais, prontuários e documentos congêneres. O Decreto do Nome Social (Nº 8.727, de 28 de abril de 2016 – Diário Oficial da União – Imprensa Nacional) dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. O Direito vale para Servidoras e Servidores que trabalham no órgão, assim como para as pessoas atendidas por esses serviços. A partir de março de 2018, de acordo com o provimento 73/ 2018, todo e qualquer cidadão ou cidadã tem o direito de alteração do nome e sexo no registro civil, sem que se submetam a cirurgias ou tratamentos invasivos. Deste modo, mesmo sem ação judicial, toda pessoa trans ou travesti tem o direito de fazer a modificação diretamente no cartório.
No Tocantins, o Conselho Estadual de Educação - CEE/TO aprovou a Resolução 32, de 26 de fevereiro de 2010, que passou a autorizar a inclusão do nome social das travestis e transexuais em registros escolares nas Unidades de Ensino de Educação Básica do Sistema Estadual de Ensino. O Conselho foi provocado pela Associação Grupo Ipê Amarelo Pela Livre Orientação Sexual - GIAMA, que apresentou requerimento para apreciação do Conselho, a exemplo do que fizeram outros Estados. Tocantins foi o 11° Estado a conferir esse direito.
E o mais importante. Em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 e do Mandado de Injunção 4733, ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a omissão legislativa e deram interpretação, conforme a Constituição Federal, para enquadrar atos de homofobia e transfobia nos tipos penais previstos na legislação, equiparando aos crimes de racismo (Lei 7.716/1989), até que o Congresso Nacional aprove lei específica sobre a matéria.
Apesar de todas essas conquistas muito ainda falta ser feito, a exemplo da repressão aos crimes por orientação sexual. O Brasil ainda é campeão mundial de assassinatos de homossexuais. Há 41 anos, o Grupo Gay da Bahia (GGB) coleta informações e divulga o Relatório Anual de Mortes Violentas de LGBT no Brasil. É a única pesquisa nacional que inclui todos os segmentos dessa comunidade.
Segundo o último relatório, em 2020, 237 LGBT+ (1ésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da homotransfobia: 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%).
Diferentemente do que se repete desde que o Grupo Gay da Bahia iniciou tal pesquisa, em 1980, pela primeira vez, as travestis ultrapassaram os gays em número de mortes: 161 travestis e trans (70%), 51 gays (22%) 10 lésbicas (5%), 3 homens trans (1%), 3 bissexuais (1%) e finalmente 2 heterossexuais confundidos com gays (0,4%).
Comparativamente aos anos anteriores, observou-se em 2020 surpreendente redução das mortes violentas de LGBT+: de 329 para 237, diminuição de 28%. O ano recorde foi 2017, com 445 mortes, seguido em 2018 com 420, baixando para 329 mortes em 2019 e agora 237 em 2020.
Segundo o prof. Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, “a explicação mais plausível para a diminuição em 28% do número total de mortes violentas de LGBT em comparação com o ano anterior se deve ao persistente discurso homofóbico do Presidente da República e sobretudo às mensagens aterrorizantes dos “bolsominions” nas redes sociais no dia a dia, levando o segmento LGBT a se acautelar mais, evitando situações de risco de ser a próxima vítima, exatamente como ocorreu quando da epidemia da Aids e a adoção de sexo seguro por parte dessa mesma população.”
O GIAMA, durante todo o tempo em que atuou, contribuía com a pesquisa enviando dados dos assassinatos no Estado.
Para além da alarmante violência praticada como um “homocausto” no Brasil, como afirma Mott, há ainda questões profundas a serem debatidas, como saúde integral dessa população - sobretudo das pessoas trans, doação de sangue, direito à educação, direitos sociais negados, segurança pública e ocupação dos espaços públicos como grandes desafios políticos e de cidadania para essa população, marginalizada e cada vez mais ameaçada, sobretudo com a negativa/nefasta política de direitos humanos (?) do atual governo federal.
Cabe resistência.
Resistir é a saída.
Orgulhemos!
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