No filme “De volta para o futuro 2”, Marty McFly e Doc Brown partem de 1985 rumo ao ano de 2015, em uma máquina do tempo, e encontram um mundo repleto de maravilhosas inovações tecnológicas, como carros voadores, roupas autoajustáveis e skates flutuantes.
Em seu divertido exercício de futurologia, Bob Gale e Robert Zemeckis, respectivamente roteirista e diretor daquele clássico do cinema, imaginaram que o fax seria um instrumento de comunicação comum, com papelinhos saindo por todos os cantos da casa. Hoje, algo assim é risível.
Devemos relevar que os dois Bob jamais poderiam projetar, em meados dos anos 80, a revolução tecnológica que a humanidade conheceu a partir do desenvolvimento exponencial da informática. Ao invés dos jurássicos trambolhos de fax, as comunicações eletrônicas estão ao alcance das mãos de qualquer pessoa.
A solidez e eficiência das plataformas digitais retirou o papel não apenas das relações interpessoais, mas também da rotina dos bancos e dos processos judiciais, por exemplo. Até a moeda é virtual.
Por isso, creio que Doc Brown ficaria incrédulo se soubesse que, no Brasil de 2021, há quem defenda que uma urna eletrônica imprima papelinhos a cada voto digitado. Great Scott!
As urnas eletrônicas são usadas nas eleições brasileiras desde 1996, com muito, mas muito sucesso. Tais equipamentos, aperfeiçoados periodicamente, permitem um processo eleitoral limpo, livre, rápido, eficaz, seguro, confiável, transparente e, devo destacar, auditável.
Sim, eu escrevi auditável. Afinal, além de todos os protocolos de segurança aplicados pela Justiça Eleitoral, a urna imprime um boletim ao fim do processo de votação, que é afixado na respectiva sessão eleitoral, permitindo a conferência do resultado por qualquer eleitor, candidato ou partido político.
Se as urnas eletrônicas são auditáveis e não há qualquer fraude eleitoral comprovada que as envolva, por que alguém haveria de querer a impressão do voto? Há algumas respostas possíveis.
A primeira hipótese é singelo desconhecimento sobre a segurança do equipamento, que não é conectado à internet e passa por periódicos testes públicos, em que técnicos e hackers tentam identificar inconsistências ou fragilidades, sempre sem sucesso.
Outra hipótese é a intenção deliberada de tumultuar o processo eleitoral para obtenção de vantagens pessoais ou para determinado grupo político. Não é difícil imaginar que pessoas inescrupulosas poderiam digitar o número do candidato X na urna e falsamente afirmarem que teriam votado no candidato Y, o que seria supostamente comprovado pelo bendito voto impresso. Tal procedimento, em larga escala, colocaria em xeque a credibilidade do processo eleitoral.
Alguém pode estar perguntando qual seria o prejuízo em se conjugar a impressão em papel ao voto eletrônico. Em números, a resposta é: R$ 2.500.000.000,00. Não, não estão sobrando zeros aí. O TSE estima em 2,5 bilhões de reais o custo para implementar o voto impresso. Esse dinheiro sairia do seu, do meu, do nosso bolso.
Porém, o prejuízo é ainda maior para o processo democrático. O papel impresso não reforçaria a segurança do voto, mas sim vulneraria seu sigilo. Eu sei que o voto impresso, a princípio, não seria exposto a terceiros. Porém, consigo imaginar eventual problema na impressora, que, ao ser reparado, permitiria o acesso ao conteúdo do voto. Isso não ocorre jamais no processo exclusivamente digital.
A verdade é que não existem efetivas razões para alguém, com conhecimento e boa-fé, querer a impressão do voto, assim como não faz sentido querer atualmente o saldo bancário impresso, a impressão de petições judiciais eletrônicas ou... enviar um fax!
Por isso, recomendo aos leitores e leitoras que pesquisem sobre as urnas eletrônicas, se informem por fontes com credibilidade, para que não tenhamos retrocessos tecnológicos e democráticos, que podem custar caro para o Brasil, inclusive financeiramente.
Se Marty McFly foi de volta para o futuro, não podemos avançar para o passado.
Célio Henrique Magalhães Rocha
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