Denúncia encaminhada ainda em abril de 2024 ao Ministério Público Federal no Tocantins (MPF/TO) pelo Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Estado do Tocantins (CEEI/TO) traz relatos preocupantes sobre a situação das unidades escolares localizadas nas comunidades, com irregularidades nas obras e entrega de bens às escolas indígenas entre os anos de 2022 e 2024.
Uma farta documentação oficial retrata irregularidades em obras não entregues; reformas não executadas; bens móveis entregues inexistentes nas unidades (utensílios, eletrodomésticos, kits pedagógicos e equipamentos tecnológicos entre 2022 e 2024); más condições estruturais, a exemplo da ausência de banheiros funcionais, transporte escolar inadequado, mobiliário deteriorado e casos de suicídio entre estudantes indígenas de 10 a 25 anos em quatro Superintendências Regionais de Ensino (SREs), o que, na análise do CEEI/TO, é um reflexo direto das deficiências estruturais e pedagógicas na saúde mental dos jovens.
A documentação apresentada pelo CEEI/TO ao MPF/TO inclui divergências entre as planilhas da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), responsável pela Educação Indígena, e as guias oficiais de entrega de obras; inclusão de escolas não indígenas nos relatórios; ausência de comprovação de recebimento das obras e/ou serviços executados por parte das escolas citadas e comprovação de obras e reformas mal executadas ou inacabadas, com infraestrutura precária.
Em resposta à provocação do CEEI/TO, o MPF/TO instaurou o procedimento para apurar as irregularidades e intimou a Seduc para que apresentasse todas as guias de entregas de bens e utensílios que foram entregues nas unidades escolares indígenas. De posse do material, o MPF, posteriormente, encaminhou a documentação para análise do CEEI/TO.
Por meio do Ofício 68/2025 de março deste ano, o CEEI/TO respondeu ao MPF/TO, apontou lacunas, inconsistências e divergências na documentação apresentada pela Seduc e solicitou a instauração de sindicância nas escolas estaduais indígenas para apuração dos fatos relatados e identificação e responsabilização dos gestores envolvidos. O ofício é assinado pelo presidente do CEEI/TO, Adriano Dias Gomes Karajá.
O que mostram os relatórios
De acordo com os relatórios apresentados ao MPF/TO, há obras inacabadas ou paralisadas nas seguintes unidades escolares indígenas:
- Matyk (A empresa contratada para perfurar um poço artesiano e instalar um sistema hidráulico, no valor de R$ 100.000, deixou a obra inacabada);
- Tekator (perfuração de um poço artesiano e a instalação do sistema hidráulico, no valor de R$ 80.811,02, foram deixadas inacabadas pela empresa contratada);
- Sromne/Aldeia Morrão (encontrada uma obra paralisada na aldeia, que consistia apenas em uma sala de aula e um pequeno espaço não identificado. A escola atualmente funciona na casa de uma professora);
- Waikarnãse/Aldeia Salto (contratação de obra para refeitório e cozinha, porém jamais iniciada);
- reformas mal executadas nas escolas Sawrepte, Kwatêpo e Gakapixel/Aldeia Novo Horizonte (Ambas tinham processos para reforma geral, mas apenas a pintura dos prédios foi realizada);
- Suzawre/Brejo Comprido (reforma de R$ 91.194,71 se resumiu apenas à pintura, deixando a escola ainda com a necessidade de uma cozinha maior e uma passarela coberta);
- e ausência de prédios adequados na Srewasa, Txualet Extensão, Nova – Extensão, Mainá.
Os documentos apontam também a falta de equipamentos básicos, como banheiros, cozinhas, rede elétrica, ventiladores, bebedouros, fogões e geladeiras; além de irregularidades administrativas em licitações, execução e entrega de bens, sem apuração de responsabilidades.
O CEEI/TO observa que os impactos da situação podem ser percebidos no prejuízo direto ao direito de aprender, com escolas improvisadas em barracões e casas cedidas; na saúde e segurança, com risco físico (estruturas precárias) e psicológico (condições indignas para crianças, adolescentes e professores); e na gestão pública, por meio do desperdício de recursos e indícios de irregularidades em obras e processos.
Solicitações ao MPF/TO e CGU
No encaminhamento da situação das escolas indígenas, o CEEI-TO ao MPF/TO e à Controladoria Geral da União que seja executada fiscalização imediata, com auditoria nos contratos e obras; que sejam apuradas as irregularidades perpetradas pela Secretaria de Estado da Educação do Tocantins, com apuração e punição dos gestores e empresas envolvidas; e que sejam garantidos os reparos urgentes nas escolas mais críticas, de modo a assegurar infraestrutura mínima (água, energia, banheiros, cozinhas) nas unidades; e, ainda, a implantação de um cronograma de obras e entregas com acompanhamento efetivo do Conselho e das comunidades indígenas envolvidas.
O que diz a Seduc
Por meio de nota de esclarecimento, a Seduc não comentou sobre as irregularidades apontadas no relatório do CEEI/TO, limitando-se a apenas reconhecer os desafios históricos enfrentados pela educação escolar indígena.
A Pasta informou não compactuar com qualquer forma de ingerência ou irregularidades e ressaltou ter criado a Superintendência de Políticas Educacionais e a Diretoria de Educação Indígenas, dirigida por Amaré Brito, da Etnia Krahô-Kanela e composta por quatro outros servidores indígenas, de modo a assegurar o protagonismo indígena na gestão das políticas públicas voltadas para os povos originários.
A Seduc ressaltou ter implantado também o Programa de Fortalecimento da Educação Indígena (Profe Indígena), informando que a iniciativa abrange 98 escolas e 36 extensões distribuídas em seis Superintendências Regionais de Educação e que atende atualmente 6.130 estudantes e 635 professores indígenas. (Confira abaixo a nota na íntegra).
O T1 Notícias entrou em contato com o ex-secretário da Seduc, Fábio Vaz, e abriu espaço para ele se manifestar. Porém, até o fechamento da matéria não houve retorno.
Posição do Ministério Público Federal no Tocantins
Ao T1 Notícias, o MPF/TO confirmou a tramitação do processo nº 1.36.000.000447/2024-56, que apura irregularidades da Seduc na distribuição de equipamentos, mas que até o momento não foram identificadas irregularidades que exigissem uma responsabilização administrativa mais severa por parte do MPF/TO, que acompanha o caso para garantir a correta aplicação dos recursos públicos e o pleno atendimento às comunidade indígenas.
O MPF/TO explica que, inicialmente, irregularidades foram identificadas durante uma plenária do Conselho Estadual, na qual a própria Seduc estava informando as ações e distribuições de equipamentos que havia realizado. De acordo com o MPF-TO, na ocasião, os conselheiros presentes identificaram que as informações não batiam com a realidade e após essa constatação, a própria Seduc realizou uma auditoria interna para verificar o que havia ocorrido e apresentou um relatório ao MPF, que foi contestado pelo Ofício nº 68/2025 do CEEI-TO.
“Durante a apuração foi identificada grande desorganização nos processos de gestão e distribuição de equipamentos. Em resposta, a Seduc trocou toda a Diretoria de Povos Originários e Tradicionais e vários Superintendentes Regionais de Ensino, além de ter providenciado alterações nos procedimentos internos de distribuição desses equipamentos”, disse a nota de esclarecimento encaminhada pelo MPF/TO ao T1 Notícias.
Nota de Esclarecimento da Seduc
Data: 24 de setembro de 2025
Assunto: Educação Indígena
Veículo: T1 Notícias
A Secretaria de Estado da Educação do Tocantins (Seduc) reconhece os desafios históricos enfrentados pela educação escolar indígena e reafirma que não compactua com qualquer forma de ingerência ou irregularidades.
Como parte das ações para garantir avanços concretos, foi criada a Superintendência de Políticas Educacionais e a Diretoria de Educação Indígena, atualmente dirigida por Amaré Brito, que é indígena Krahô-Kanela, e composta por outros servidores indígenas do Estado, assegurando protagonismo indígena na gestão das políticas públicas voltadas para os povos originários.
Nesse contexto, foi implantado o Programa de Fortalecimento da Educação Indígena (PROFE Indígena), que tem como objetivo elevar a qualidade do ensino e assegurar o direito à educação diferenciada para os povos Karajá, Xambioá, Javaé, Xerente, Krahô, Krahô Kanela, Apinajé e Avá-Canoeiro.
O programa abrange 98 escolas e 36 extensões distribuídas em seis Superintendências Regionais de Educação, atendendo atualmente 6.130 estudantes e 635 professores indígenas.
Desde sua criação, o PROFE Indígena já alcançou conquistas significativas, como a valorização das comunidades indígenas na formulação das políticas educacionais e produção de material didático específico para cada etnia.
Entre outras ações destacam-se a realização de formações específicas para professores, coordenadores e diretores das escolas indígenas; o monitoramento e acompanhamento pedagógico constante das escolas indígenas; investimento na infraestrutura escolar; entrega de mobiliários e equipamentos nas escolas indígenas, conforme solicitações; criação do canal F@la Indígena, criado para melhorar o diálogo entre a gestão e escolas indígenas; aquisição de kit com diversos materiais para todos os estudantes; implantação do calendário escolar específico para cada povo indígena do Estado.
A Seduc reitera seu compromisso com a transparência, a valorização da diversidade cultural e a garantia do direito à educação de qualidade para os povos indígenas do Tocantins.
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