Filme A Flor do Buriti sobre os Krahô é ovacionado em Cannes

Novamente com os Krahô, no Norte do Tocantins, o filme traz um dos temas mais urgentes da atualidade: a luta pela terra e as diferentes formas de resistência pela comunidade da aldeia Pedra Branca.

Crédito: Divulgação

Ovacionado na noite desta terça-feira, 23, o filme a Flor do Buriti, dos cineastas João Salavisa e Renée Nader Messor a, fez sua estreia mundial na seleção oficial do Festival de Cannes, na sessão Un Certain Regard. O filme apresenta uma história de resistência do povo Krahô e traz um dos temas mais urgentes da atualidade: a luta pela terra e as diferentes formas de resistência implementadas pela comunidade da aldeia Pedra Branca.

 

O filme nasce do desejo em pensar a relação dos Krahô com a terra, pensar em como essa relação vai sendo elaborada pela comunidade através dos tempos. As diferentes violências sofridas pelos Krahô nos últimos 100 anos também alavancaram um movimento de cuidado e reivindicação da terra como bem maior, condição primeira para que a comunidade possa viver dignamente e no exercício pleno de sua cultura”, explica a diretora.

 

A Flor do Buriti atravessa os últimos 80 anos dos Krahô, trazendo para a tela um massacre ocorrido em 1940, onde morreram dezenas de pessoas. Perpetrado por dois fazendeiros da região, as violências praticadas naquele momento continuam a ecoar na memória das novas gerações.

 

Filmar o massacre era um grande dilema. Se por um lado é uma história que deve ser contada, por outro não nos interessava produzir imagens que perpetuassem novamente uma violência. Percebemos que a única forma de filmar essa sequência era a partir da memória compartilhada, a partir de relatos, do que ainda perdura no imaginário coletivo desse pessoal que insiste em sobreviver”, conta a diretora Renée.

 

A Flor do Buriti foi rodado durante quinze meses em quatro aldeias diferentes, dentro da Terra Indígena Kraholândia, e assim como em Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, a equipe era muito pequena e se dividia entre indígenas e não indígenas. Relatos históricos baseados em conversas e a realidade atual da comunidade serviram de base para a construção da narrativa do filme.

 

 “A gente não trabalha com o roteiro fechado. A questão da terra é a espinha dorsal do filme. Propusemos aos atores trabalhar a partir desse eixo, criar um filme que pudesse viajar pelos tempos, pela  memória, pelos mitos, mas, que, ao mesmo tempo fosse uma construção em aberto que faríamos enquanto fossemos filmando. A narrativa foi sendo construída com a Patpro, o Hyjnõ e o Ihjãc, que assinam o roteiro”, explica João.

 

As manifestações em Brasília durante a votação do Marco Temporal e as ameaças que a Terra Indígena vem sofrendo nos últimos anos - roubo de animais silvestres, extração de madeira, reativação de uma barragem ilegal - são absorvidas pelo filme, numa narrativa onde passado e presente coexistem e formam um corpo só.

 

Os desafios que os Krahô enfrentam hoje encontram eco em todo o nosso continente. O que contamos aqui, num contexto extremamente específico e peculiar, é também a História dos povos indígenas sul-americanos desde a invasão. Se as formas de violência são múltiplas e capazes de aniquilar nações inteiras, as formas de resistência são ainda mais potentes, vibrantes e reinventadas diariamente”, conta Renée.

 

A seleção do filme para Cannes mostra que o mundo está realmente de olho na questões dos povos originários no Brasil. “A importância dos povos originários não reside apenas no conhecimento ancestral, mas também na elaboração de tecnologias totalmente sofisticadas de defesa da terra. Eles ocupam radicalmente a contemporaneidade. O Festival também será importante como lugar para se formar novas alianças, usar da sua capacidade de sedução cultural que possam ser reativadas no futuro. De fato, o Bolsonarismo foi um verdadeiro massacre, tanto na destruição dos povos e seus direitos, como da terra. Agora, o que acontece é uma contraofensiva muito mais bela e forte. O mundo está de olho nos Krahô. É muito bom para nós, cineastas e aliados, ver o lugar que o filme pode ocupar.” ressalta João Salaviza.

 

Sonia Guajajara, que também aparece no filme, é figura de admiração de mulheres de todas as aldeias, que veem nela uma figura de referência. “Ela aparece num discurso em Brasília sempre como ativista, e hoje é uma Ministra, depois de décadas de militância. Vemos que há uma realidade muito rica e muito vibrante, com pouca visibilidade que é aquilo que acontece em cada aldeia. E é onde as comunidades organizam sua resistência, e isso hoje vem com tudo. E é um rio imparável que vai confluir. E a melhor notícia que o Brasil poderia ter depois desses quatro anos é a presença cada vez mais forte dos povos indígenas ocupando lugares de poder.

 

A FLOR DO BURITI é produzido por  Ricardo Alves Jr, e Julia Alves através da produtora mineira Entre Filmes, e será distribuído no Brasil pela Embaúba Filmes.

 

Sinopse

Em 1940, duas crianças do povo indígena Krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um violento massacre, perpetuado pelos fazendeiros da região. Em 1969, durante a Ditadura Militar, o Estado Brasileiro incita muitos dos sobreviventes a integrarem uma unidade militar. Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô seguem caminhando sobre sua terra sangrada, reinventando diariamente as infinitas formas de resistência.

 

Ficha Técnica

Direção: João Salaviza + Renée Nader Messora

Roteiro: João Salaviza, Renée Nader Messora, Ilda Patpro Krahô, Francisco Hyjnõ Krahô, Ihjãc Henrique Krahô

Produção: Ricardo Alves Jr. + Julia Alves

Elenco: Ilda Patpro Krahô, Francisco Hyjnõ Krahô,

Direção de Fotografia: Renée Nader Messora

Desenho de Produção:

Direcção de Arte: Ángeles Frinchaboy, Ilda Patpro Krahô

Som Direto: Diogo Goltara

Desenho de Som: Pablo Lamar

Montagem: Edgar Feldman

Gênero: Ficção

País: Brasil, Portugal

Ano: 2023

Duração: 124 min

 

Sobre JOÃO SALAVIZA

João Salaviza (1984) estudou Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema em Lisboa e na

Universidad del Cine em Buenos Aires. O seu primeiro curta-metragem ARENA foi premiado com a Palma de Ouro em Cannes (2009), seguindo-se o Urso de Ouro de Curtas-Metragens na Berlinale para RAFA (2012). Lançou também na Competição Oficial da Berlinale as curtas ALTAS CIDADES DE OSSADAS (2017) e RUSSA (2018, co-realizado com Ricardo Alves Jr).

O seu primeiro longa-metragem, MONTANHA, teve a sua estreia mundial no Festival de Veneza (Semana da Crítica) em 2015.

Desde então, vive entre Portugal e o Brasil, junto do povo indígena Krahô.

Em 2018 estreou CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS (correalizado com Renée Nader Messora) no Festival de Cannes, recebendo o Prémio Especial do Júri – Un Certain Regard. O filme foi lançado comercialmente em vários países, destacando-se França onde foi visto por 45.000 espectadores.

Em 2023 regressa ao Festival de Cannes - Un Certain Regard para estrear A FLOR DO BURITI (corealizado com Renée Nader Messora), filmado durante um período de quinze meses na Terra Indígena Krahô.

 

Sobre RENÉE NADER MESSORA

Graduada em Cinematografia pela Universidad del Cine, em Buenos Aires. Por 15 anos, trabalhou como assistente de direção em diversos projetos no Brasil, Argentina e Portugal, entre eles MONTANHA, primeiro longa-metragem de João Salaviza. Fotografou o curta-metragem POHÍ (2010), através do qual conhece o povo Krahô. Desde então, trabalha com a comunidade, contribuindo na organização de um coletivo de jovens cinegrafistas que utilizam o cinema como ferramenta para o fortalecimento da identidade cultural e a autodeterminação.

Em 2017 fotografou o curta-metragem RUSSA, dirigido por João Salaviza e Ricardo Alves Jr. que estreou na Competição Oficial da Berlinale 2018.

Também em 2018 estreou seu primeira longa-metragem, CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS (co-realizado com João Salaviza) no Festival de Cannes, recebendo o Prêmio Especial do Júri – Un Certain Regard. O filme foi lançado comercialmente em vários países, destacando-se França onde foi visto por 45.000 espectadores. A FLOR DO BURITI é o seu segundo longa-metragem, co-realizado com João Salaviza durante um período de quinze meses na Terra Indígena Krahô.

 

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