Após 19 anos de espera, a comunidade quilombola Barra da Aroeira, certificada em 2006 como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, terá o reconhecimento oficial de seu território pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A decisão foi comunicada pelo órgão em reunião realizada na quarta-feira, 5, na comunidade, com a presença da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), do Ministério Público Federal (MPF), da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot), da ONG Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO) e de representantes do poder público municipal de Santa Tereza do Tocantins.
Conforme a ONG Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO, embora o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) tenha sido publicado em 2011 e aberto prazo para contestações até 2015, o processo de regularização fundiária ficou estagnado por mais de uma década. Na reunião da última quarta-feira, foi acordado que o Incra retomará o procedimento e, no prazo de 60 dias, encaminhará a documentação necessária para a sede do órgão em Brasília (DF), e vai requerer a publicação da portaria de reconhecimento do território, que possui uma área de aproximadamente 62 mil hectares. A decisão, conforme a APA-TO, representa um avanço significativo na luta da comunidade, que enfrenta conflitos agrários e impactos socioambientais devido à expansão do agronegócio na região.
Essa é uma vitória importante para o quilombo Barra da Aroeira, como ressalta o presidente da associação da comunidade, Domingos Rodrigues da Silva. “A nossa luta é intensa há muito tempo. Teve um antropólogo aqui, nós acompanhamos todos os pontos essenciais e chegamos à conclusão desses 62 mil hectares. Só que até hoje não temos acesso a essa área, porque ela está ocupada. Nós lutamos incansavelmente pelo nosso território, mas acreditamos que, com esse passo agora, com fé em Deus, vamos alcançar essa conquista”, enfatizou.
A Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins vem acompanhando a luta da comunidade pela regularização do território. Ao longo do processo, foram elaborados, juntamente com a ONG Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins, importantes materiais de incidência política, como o Plano de Gestão Territorial e a cartografia social da comunidade. “No Tocantins, somos mais de 53 comunidades certificadas, e a titulação ainda é um grande desafio. Esta conquista é um passo fundamental na luta pelo reconhecimento e pela garantia dos direitos da comunidade Barra da Aroeira. A COEQTO vai continuar acompanhando os diálogos com o Incra para que a comunidade tenha seu território titulado”, destacou Maria Aparecida Ribeiro de Sousa, coordenadora executiva da COEQTO.
Entenda o processo de regularização territorial da Barra da Aroeira
A comunidade foi reconhecida, em 2006, como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. A partir disso, o processo de regularização de seu território foi aberto no Incra. Em 2008, foi concluído o estudo antropológico do território, primeira etapa do processo de regularização. Em 2011, foi finalizado e publicado o RTID, sendo aberto prazo para contestações, todas indeferidas em 2015. Desde então, o processo ficou parado, e a comunidade aguardou mais de uma década a retomada do processo de titulação do território.
Conforme explicou Álvaro Manzano, procurador do MPF no Tocantins, o processo administrativo junto ao Incra estava parado porque o órgão considerava inviável a titulação devido ao tamanho do território da comunidade. No entanto, uma decisão da Justiça, decorrente de uma ação movida pelo MPF, entendeu que não cabia ao Incra contestar a extensão do território e fixou um prazo para a conclusão do processo. “Defendemos que essa é uma decisão técnica e antropológica, baseada em estudos aprofundados, e que não cabia à comunidade renunciar a parte do seu território. Com essa decisão atual do Incra, acreditamos que agora o processo administrativo finalmente terá andamento”, destacou Álvaro Manzano.
Edmundo Rodrigues Costa, superintendente do Incra no Tocantins, explica que a sede do órgão recebeu a decisão judicial, que precisa ser cumprida, e que o prazo foi suspenso em acordo com o MPF para garantir seu cumprimento. “Vamos seguir o RTID que foi feito com o tamanho original do território da comunidade, em torno de 62 mil hectares. Esse já é um passo para começarmos a cumprir essa sentença judicial, mas, principalmente, para garantir que a comunidade e suas famílias tenham de fato o direito e o acesso ao seu território”, explicou.
Edmundo também informou que foi criada uma divisão quilombola no Incra e que a publicação da portaria de reconhecimento do território marcará o início dos trabalhos dessa nova estrutura, sendo uma importante conquista para a comunidade Barra da Aroeira. “Com essa nova divisão, estamos dando um passo fundamental em relação à comunidade Barra da Aroeira. Vamos encaminhar o relatório do RTID da comunidade para a sede do Incra, para que seja publicada a portaria do Território Quilombola Barra da Aroeira”, pontuou.
Desafios
A comunidade quilombola Barra da Aroeira, localizada entre os municípios de Santa Tereza e Lagoa do Tocantins, enfrenta desafios crescentes devido à invasão do agronegócio em seu território. Apesar de possuir o título de propriedade para uma área de 1.000 hectares, a comunidade ainda aguarda a titulação do território na íntegra, que corresponde a cerca de 62 mil hectares.
A liderança Maria de Fátima Rodrigues, conhecida como Andressa, relata que a história e o modo de vida da comunidade estão sendo apagados pela pressão do agronegócio. “Um cemitério onde estavam enterrados nossos antepassados foi destruído sem qualquer respeito. Até hoje, não tivemos resposta da Justiça”, lamenta.
O desmatamento para o plantio de soja tem provocado danos ambientais irreversíveis na região. Espécies nativas do Cerrado, como o jatobá, o buriti e o capim-dourado, estão desaparecendo. “Nas áreas onde colhíamos baru, agora tem soja. Onde buscávamos capim-dourado, não podemos mais entrar”, denuncia Maria de Fátima.
A luta da comunidade por reconhecimento e permanência no território se estende por gerações. Mais de 120 famílias vivem na comunidade e dependem do território para sua subsistência. “Acreditamos que podemos produzir muito mais se tivermos espaço. Plantamos abóbora, feijão, milho e banana. Estamos buscando recursos para ampliar nosso plantio e garantir nossa sobrevivência. Nasci nessa luta, assim como meus avós e minha mãe. Seguimos resistindo para garantir nossa liberdade”, concluiu Maria de Fátima.
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