Um novo caminho: conquista do 1º emprego para egressos do Sistema Socioeducativo

“Quero seguir em frente, trabalhar e viver minha vida”, conta jovem contratado no 1º emprego formal; MPTO vai além da fiscalização com a defesa dos direitos para garantir novas possibilidades.

Adolescente chegou emocionado em casa contando para a mãe sobre o 1º emprego.
Descrição: Adolescente chegou emocionado em casa contando para a mãe sobre o 1º emprego. Crédito: Karen Oliveira

Era por volta de 14h30 de uma sexta-feira quando Josias, nome fictício para um adolescente de 17 anos, chegou em casa dizendo: “mãe, eu tenho uma surpresa pra senhora.... eu consegui um emprego”. A cena poderia ser comum na vida de um jovem brasileiro em busca do primeiro trabalho, no entanto, para ele esse momento representou um grande passo rumo a um novo começo. Isso porque, aos 16 anos, Josias se viu internado no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Palmas, em outubro de 2021, como determinação judicial devido a prática de um ato infracional.

 

“Meu filho mudou muito, criou mais responsabilidade com esse trabalho e é muito bom ver essa mudança e essa trajetória dele toda para melhor, isso serviu de exemplo para ele ver que estava em um caminho errado e agora ele tá dando valor às coisas que ele tá conquistando, hoje ele tem outro pensamento”, disse a mãe do adolescente, de 34 anos, que preferiu não ser identificada.

 

Durante a entrevista, em meio à emoção, ela contou que o filho ficou no Case durante seis meses e em abril deste ano recebeu progressão da medida para a Unidade de Semiliberdade Masculina (USLM) de Palmas, onde permaneceu até junho. E foi em junho que a grande notícia chegou. Josias soube que havia conseguido um emprego como jovem aprendiz três dias antes de progredir de medida, saindo da Semiliberdade para a medida de Liberdade Assistida no dia 21 de junho de 2022.

 

“Eu passava a semana lá e fim de semana vinha pra casa e trabalhava com meu tio com cerâmica. Na Semiliberdade eu fui chamado pra um monte de entrevista em vários lugares, aí numa sexta eu fiquei sabendo da notícia e cheguei da Unidade falando pra mãe da surpresa. Na outra semana, [dia 22 de junho], eu comecei a trabalhar como recepcionista”, conta o adolescente.

 

Josias explica sobre o trabalho realizado, em seguida revelando sua perspectiva pro futuro. “Eu achei bom o trabalho porque nunca tinha trabalhado de carteira assinada, também fiz amigos lá e tenho mais responsabilidade, muito mais, mas eu quero trabalhar com cerâmica, quero ser profissional nisso, aprender mais coisas com meu tio, me desenvolver nessa área. Vai ser bom demais quando eu terminar a liberdade assistida, porque eu sempre fico relembrando aquilo tudo e não gosto. Quero seguir em frente, estudar, trabalhar e viver minha vida normal”, completou Josias.

 

Quando perguntada se a mãe do jovem se sentia orgulhosa pelo caminho que ele está trilhando, ela olhou pro filho e respondeu com os olhos marejados: “É uma alegria muito grande, passamos por uma fase muito difícil, aí vendo ele assim hoje é uma felicidade muito grande, tenho muito orgulho dele e estou feliz porque eu vou passar o natal com meu filho perto de mim”. Já Josias deu uma resposta curta e rápida para a mesma pergunta. “’Moço’, demais... sou outra pessoa hoje”.

“Vi Deus socorrendo e começando a realizar os sonhos do meu filho”

Outro egresso do Sistema Socioeducativo que também sente que está em uma nova trajetória após iniciar o primeiro emprego como jovem aprendiz é o Rafael (nome fictício), de 16 anos, que alcançou o primeiro emprego durante a medida de semiliberdade na USLM de Palmas. “Esse emprego formal está sendo ótimo pra mim porque estou tendo responsabilidades que antes não tinha. Fiquei bastante feliz quando soube que ia ser contratado e espero que com esse trabalho eu consiga experiências que possam me ajudar futuramente pois meu sonho é ser um programador e fazer a faculdade de Ciências da Computação”, explicou.

 

Rafael está empregado de carteira assinada como assistente administrativo há três meses, quando ainda cumpria medida de semiliberdade. Sua mãe, 34 anos, que também prefere não ser identificada, conta que o filho foi internado no Case de Palmas entre março e abril deste ano, período em que participou de projetos e dois cursos de informática, firmando assim o sonho de trabalhar com computação. Em junho, Rafael recebeu progressão para a medida na Semiliberdade Masculina, onde permaneceu até meados de setembro.

 

“Já era uma vontade dele conseguir um emprego de carteira antes de tudo acontecer... antes ele estava em um processo de muita tristeza, vivia dentro do quarto trancado, ele encontrou umas novas amizades que levou pro mal caminho, aí aconteceu o episódio com ele. Mas em tudo isso eu vejo as mãos de Deus porque quando vi ele na situação de depressão eu pedi um socorro e a gente não entende o processo, mas foi a forma que Deus fez porque quando ele saiu do Case e foi pra USL, logo ele foi contratado e ficou muito feliz. Eu vi Deus socorrendo e começando a realizar os sonhos do meu filho”, relata a mãe de Rafael.

 

Com uma rotina que intercala trabalho e estudo, Rafael sai de casa às sete da manhã para iniciar a jornada de trabalho e almoça no local, se deslocando em seguida para a escola onde cursa a 1ª série do ensino médio. Ele retorna para casa já no fim do dia e a mãe fala da importância do vínculo familiar nesta nova trajetória de vida. “Muitas das vezes a gente pensa que é um desespero para família, mas pode ser um socorro, e não abandonar o filho ali dentro é essencial porque já vi relatos de adolescentes abandonados pelos familiares. Não abandonar o filho, mas estar mais presente e sempre estar atenta a cada decisão e fase que o filho for passar para ajudar ele”, finalizou.

 

Para o promotor Sidney Fiori Júnior, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Infância, Juventude e Educação, órgão auxiliar do Ministério Público do Tocantins (MPTO), o  real impacto da inserção no mercado de trabalho destes adolescentes que estão ou passaram pelo Sistema Socioeducativo é a mudança de perspectiva. “Normalmente os jovens, especialmente de comunidades mais periféricas, têm como líderes os meninos do tráfico e são em quem eles se espelham, então quando colocamos estes jovens no mercado de trabalho, ganhando um salário por menor que seja, eles terão contato com outras pessoas, o que pode trazer outros exemplos, outro modo de vida, então a realidade é que o fato de estarem trabalhando abre os horizontes para outras possibilidades”, explicou.

Oportunidade para mudar: a importância da Rede de Apoio

A história destes dois jovens tem um ponto em comum: todos tiveram o auxílio para primeira contratação por meio da equipe técnica da unidade socioeducativa e também da Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renaspi). Conforme explica a agente especialista socioeducativa da USLM de Palmas, Maria Silva de Moraes, “a inserção no mundo do trabalho passa primeiramente pelo interesse do adolescente e por um processo de formação de consciência sobre a importância do trabalho do exercício da cidadania, além da viabilização da documentação civil, encaminhamento para o atendimento psicossocial e entrevistas de emprego. A USL Masculina cria espaços de diálogo com a Rede Intersetorial, envolvendo família, adolescente, Renapsi, Senai, além das secretarias de Saúde e Educação, estabelecendo assim uma intervenção diretiva e individualizada”. 

 

Ao todo, entre janeiro e outubro deste ano, 10 adolescentes da USLM conquistaram o primeiro emprego como aprendizes em um esforço conjunto com toda a Rede. “Tem sido de tamanha valia investir nossos esforços nesse caminho de buscar oportunidades e encontrar portas na sociedade para desenvolvimento dos adolescentes. Nós fornecemos o maior apoio possível e buscamos gerar responsabilidade, autonomia e compromisso do adolescente tanto na sua medida como com o seu trabalho, além de a equipe acompanhar todo o processo desde a entrega de documentos, entrevistas, contato com as famílias para abertura de contas e também no decorrer da inclusão no mercado de trabalho", ressalta o agente de segurança socioeducativo e chefe da Unidade, Júlio César Guedes.

 

A Renapsi entra no processo como parte da Rede Intersetorial, executando programa de Socioaprendizagem como uma política pública para a empregabilidade juvenil, a inclusão, ao combate à evasão escolar, ao fortalecimento de vínculos, com a realização de cursos e formações. Além de realizar estratégias com a rede parceira sobre a importância da inserção dos jovens no mercado de trabalho, trabalhando com empresas e Poder Público para viabilizar a contratação, também atua como instituição formadora.

 

 

“Me emociono ao falar do impacto disso na vida do adolescente, pois são muitos, mas para mim é uma transformação social. São sonhos, são vidas que estão à procura de oportunidades e nós estamos prontos para oportunizar, contribuir e propiciar aos jovens a formação técnico profissional, a inserção no mercado de trabalho, estimular o protagonismo juvenil, a educação e continuidade, e contribuir com o fortalecimento dos vínculos familiares e tornando-o protagonista de sua trajetória de vida”, destaca a gerente da Renapsi - Pólo Tocantins, Patrícia Lucena.

Direitos resguardados para expandir horizontes por meio do trabalho do MPTO

                       Foto: Marcelo de Deus

 

Um dos papéis do MPTO é assegurar aos adolescentes a sua proteção integral, com todos os direitos fundamentais resguardados, incluindo à capacitação profissional e vagas de trabalho como aprendizes, dispostos na Lei 12.594/2012, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.

 

Além de cobrar do Poder Público a implementação de políticas públicas voltadas à garantia dos direitos de crianças e adolescentes em diversas áreas, a Promotoria da Infância e Juventude do MPTO  investe na aproximação com as Instituições que compõem a Rede Intersetorial no sentido de recomendar e colaborar com a criação de projetos e outras ações que tornem possível a inserção efetiva dos adolescentes egressos do Sistema no mercado de trabalho.

 

Um exemplo disso é a articulação que o MPTO iniciou ainda antes da Pandemia da Covid-19, entre 2020 e 2022, para oportunizar o primeiro emprego como aprendizes para jovens de quatro grupos: em situação de vulnerabilidade social; retirados do trabalho infantil pelo Ministério Público do Trabalho (MPT); os que se encontram em abrigos e também os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. “Chamamos todo o Sistema S, Tribunal de Justiça, Poder Executivo, MPT, Superintendência Regional do Trabalho, Renapsi e Ciee [Centro de Integração Empresa-Escola] para um Termo de Cooperação visando a inserção no mercado de trabalho para estes quatro grupos que colocamos como prioritários. Com a pandemia tudo desacelerou, mas agora estamos retomando este projeto”, destacou o promotor Sidney Fiori.

 

Conforme a legislação, os empresários devem cumprir a Lei 10.097/2000 que determina a contratação de um percentual de jovens a partir de 14 anos como aprendizes em empresas de médio e grande porte O contrato de trabalho pode ser prorrogado até quatro anos anos e, durante esse período, o jovem precisa unir formação teórica e prática, dispondo de períodos na instituição formadora e na empresa.

 

“Temos tentado atuar nessa inserção dos jovens no mercado sob diversas frentes, uma delas é com o MPT, pois eles têm uma lista de empresas que estão descumprindo essa legislação. Se não estão contratando jovens aprendizes, o MPT chama o empresário e faz um Termo de Ajuste de Conduta pedindo a inserção dos jovens dos grupos prioritários nestas empresas, assim conseguimos mais oportunidades”, frisou Fiori.

 

Além disso, a Promotoria colaborou com a criação do projeto “Jovem Trabalhador”, executado pela Secretaria Estadual de Trabalho e Assistência Social (Setas) que oportunizará três mil vagas para jovens aprendizes, incluindo a inserção de adolescentes em cumprimento ou egressos do Sistema Socioeducativo. Outra possibilidade de parceria veio com a mudança da legislação com a Medida Provisória nº 1.116, de 4 de maio de 2022.

 

“Algumas empresas exercem trabalhos considerados mais perigosos, mas mesmo assim continuam sendo obrigadas a contratar jovens aprendizes e a lei mudou para atender esses casos. Com isso, a empresa de médio ou grande porte contrata jovens, assina a carteira, mas os encaminha para trabalharem em órgãos públicos, como no MPTO, onde tivemos uns 10 adolescentes trabalhando dentro da Instituição, com isso a empresa cumpre a legislação, garantindo os direitos deste público, e a Instituições são beneficiadas com a mão de obra”, complementou o promotor.

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