Ouvi perplexa ontem, de frente a agência dos Correios em Palmas, trechos de um discurso xulo e de baixo nível, entremeado com gritos de guerra. Depois, uma participante identificou a oradora como a ex-presidente (ou será que já é presidente de novo?) da Casa 8 de Março, “companheira” Bernadete. Na parte que ouvi ela literalmente mandava a senadora Kátia Abreu (DEM), para “os quintos dos infernos”, e emendava: “ela não é bem vinda aqui”.
Opa! Devagar com o andor, que o santo é de barro. Tenho certeza que a Casa 8 de Março cumpre seu papel na região das Arnos, embora nos últimos anos tenha mais promovido cursos de cabeleireiro do que qualquer outra ação para resgatar mulheres vítimas da violência.
Se alguém não quer a senadora aqui com certeza não são as mais de 11 mil mulheres trabalhadoras rurais atendidas pelo programa “Útero é Vida”, da CNA. Também não são as mulheres da cidade, atendidas pelos mamógrafos e agora tomógrafo que a senadora garantiu através de emendas parlamentares.
Kátia Abreu pode ser chamada de defensora dos grandes produtores rurais, mas jamais dos “latifúndios improdutivos”. É uma das executivas mais realizadoras na cena nacional falando de produção de alimentos. Diferente de muita gente que – para usar a linguagem popular – “nunca deu um prego numa barra de sabão”.
A importância de cada um
Tenho pela CPT – Comissão Pastoral da Terra, uma das organizadoras do evento, o respeito que ela merece pelas ações que realiza. Mas toda vez que um movimento social, ou uma organização não governamental é “infestada” pelo discurso míope e radical deste ou daquele partido, as coisas se complicam. Os movimentos deixam de servir às pessoas que deveriam representar e passam a ser ferramentas utilizadas por partidos. E com fins claramente eleitorais.
No campo ou na cidade, somos todos trabalhadores. E para chegar a um entendimento, vale mais o diálogo e a força do trabalhador organizado, do que pedras e bolas de tinta lançadas contra fachadas de prédios.
De ônibus, motos ou carros novos
Vi gente com a pele queimada e que provavelmente tem calos nas mãos na passeata de ontem. Mas vi muito cabelo chapado e salto alto. Assim como se podia ver um ônibus preto e amarelo despejando manifestantes no começo da passeata, era possível encontrar muita turbinada chegando de moto nova e carro zero de frente da FAET para então colocar uma camiseta e uma bandana no rosto e se integrar às representantes dos movimentos sociais. Ah, essas não são as trabalhadoras rurais.
No delírio que se viu e ouviu, vieram também agressões à imprensa. “Não queremos vocês aqui. Fora imprensa corrupta. Aqui não tem ninguém para vocês promoverem”, bradava de microfone na mão, a “companheira”, liderança de movimento provando seu despreparo e pouca inteligência.
Aprendendo a conversar
A imprensa tem sido historicamente aliada dos movimentos sociais. Quando se abre páginas de jornais, na internet, ou espaço no rádio e na TV, movimentos - justos ou equivocados - ganham projeção e força. Mas o discurso proferido nas avenidas de Palmas e na frente da FAET ontem foi retirado de velhos livros, que serviam bem para entender o velho mundo de classes sociais divididas que a sociedade mundial viveu antes da queda do muro de Berlim.
O mundo mudou, mas boa parte dos líderes de movimento continua lendo na velha cartilha do confronto que utilizam para guiar suas ações. É uma grande bobagem achar que o planeta vai ser abastecido pela agricultura de fundo de quintal. Não vai.
Assim como é absurdo imaginar um futuro onde só exista espaço para os grandes produtores de soja, arroz e café. O Brasil alimenta o mundo, mas com certeza não é graças à gente que sai do ar condicionado dos gabinetes para engrossar passeatas sem saber se alface se planta com semente ou mudinha.
Se quiser ser respeitado por gente que trabalha duro no campo e na cidade, o Movimento dos Sem Terra tem que aprender a conversar. Jogar pedra é muito fácil. Xingar é coisa de gente pouco inteligente. Para viver num mundo de diferentes é preciso respeitar a diferença. É só através do diálogo que o mundo tem evoluido.
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